Em latim, ⟨ae⟩ e ⟨oe⟩, também grafados ⟨æ⟩ e ⟨œ⟩, representavam ditongos. Em latim arcaico, ⟨ae⟩ e ⟨oe⟩, pronunciavam-se /ai̯/ e /oi̯/, respetivamente, com o segundo elemento completamente fechado, e era assim que se escreviam nos textos mais antigos: ⟨ai⟩, ⟨oi⟩. No período tardio do latim arcaico, porém, o segundo elemento sofreu um abaixamento, e estes ditongos passaram a pronunciar-se /ae̯/ e /oe̯/, respetivamente. Mais tarde, foram alvo de um processo gradual de monotongação, iniciado nas zonas rurais, e começaram a soar como /ɛː/ e /eː/.
Este processo de monotongação, segundo alguns autores, não terá ficado concluído antes do terceiro século na nossa era. Seja como for, Marco Terêncio Varrão, escritor romano contemporâneo de Júlio César, dá nota do fenómeno num famoso tratado sobre latim, que infelizmente nos chegou incompleto. Diz ele taxativamente que In pluribus verbis a ante e alii ponunt, alii non1, ou seja, «Há muitas palavras em que uns dizem o a antes do e e outros não». Varrão acrescenta ainda que In Latio rure edus; qui in urbe ut in multis a addito, aedus2, ou seja, «Na zona rural do Lácio diz-se edus («cabrito»), mas na cidade, como acontece em muitas outras, juntam-lhe um a e dizem aedus».
A referida monotongação, acompanhada pela perda progressiva da quantidade vocálica, desencadeou um fenómeno novo em latim: a homofonia. Por outras palavras, houve uma série de vocábulos que anteriormente diferiam na pronúncia e na grafia e que passaram a destrinçar-se apenas pela forma escrita. Marco Valério Probo, gramático romano mais tardio, da segunda metade do século I, oriundo de Beirute e contemporâneo do imperador Nero, sentiu, por exemplo, a necessidade de advertir que Inter aes et es hoc interest, quod aes metalli materiem designat, es autem verbum esse demonstrat3, ou seja, «Entre aes («bronze») e es («és») existe a seguinte diferença: o primeiro designa um metal, enquanto o segundo é uma forma do verbo esse («ser»)». Outros gramáticos e eruditos lhe seguiram as pisadas chamando a atenção dos mais incautos para a existência de um crescente número de homófonos: aequus («justo»)/equus («cavalo»), cepit («apanhou»)/coepit («começou»), fedus («feio»)/foedus («pacto»), quaestus («lucro»)/questus («queixa»), entre outros.
Como seria de esperar, dada a pouca disponibilidade de dicionários e a inexistência de corretores ortográficos, o processo de monotongação teve igualmente consequências a nível da escrita levando à formação de inúmeras variantes, que os vocabulários foram registando ao longo dos tempos. Assim, qualquer dicionário hodierno que se preze acolhe, entre outras, as seguintes: caelum/coelum («céu»), caementum/cementum («pedra miúda»), caena/cena/coena («jantar»), haeres/heres («herdeiro»), obedio/oboedio («obedecer»), praelium/proelium («combate»). É também o caso do adjetivo ceterus, cetera, ceterum, mais frequente no plural ceteri, ceterae, cetera («restantes»): todos os dicionários que consultei referem igualmente a variante caeterus, caetera, caeterum (ou, no plural, caeteri, caeterae, caetera), mas todos eles, com uma única exceção, a remetem para a primeira. Por outro lado, António Freire, insigne latinista português, recomendava4 a forma ceteri em detrimento de caeteri, o que, aliás, está em consonância com as pesquisas etimológicas levadas a cabo pelo linguista francês Antoine Meillet, que identificou o adjetivo úmbrio etru («outro»)5 como étimo do vocábulo latino em questão. Quanto à possível variante *coetera, referida pelo consulente, não a encontro abonada em nenhum dicionário...
1 De lingua latina, VII-96.
2 Ibidem, V-97
3 Appendix, IV-200
4 Gramática latina, 1983, p. 389
5 Dictionnaire étymologique de la langue latine, 1959, p. 117.