Os romanos eram bastante práticos e diretos nas suas saudações, tal como, aliás, em muitos capítulos da vida social. Independentemente da hora do dia e do grau de formalidade que caracterizasse a relação entre quem saudava e quem recebia a saudação, valiam-se invariavelmente do verbo salvere, que quer dizer «estar bem, estar de boa saúde», «passar bem». Para cumprimentar apenas uma pessoa, diziam «salve!» (segunda pessoa do singular do imperativo do referido verbo), e, para cumprimentar várias, diziam «salvete!» (segunda pessoa do plural do imperativo). As formas «salve!» e «salvete!» correspondem, portanto, consoante o contexto e o grau de formalidade em questão, a «olá!», «viva!», «bom dia!», «boa tarde!» ou «boa noite!», para não falar do «oi!» brasileiro.
A forma do imperativo singular salve passou para português na qualidade de interjeição e está dicionarizada. Segundo o Dicionário Houaiss (edição eletrónica 1.0), esta interjeição «expressa saudação ou cumprimento». De acordo com outro dicionário abalizado (Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, 2004), a mesma «usa-se para saudar ou cumprimentar». Não sei em que fonte o nosso consulente bebeu a informação de que «salve!”» em português, também poderia significar «adeus», mas estas duas obras de referência aparentemente não corroboram tal aceção...
Este vocábulo salve, aliás, parece-me pouco encontradiço na nossa língua: não me lembro de o ter ouvido ou lido seja onde for, a não ser no nome da conhecida oração católica salve-rainha ou em textos literários, sobretudo em traduções do latim.
Além de «salve!» e «salvete!», os romanos também se socorriam dos vocábulos «ave!» e «avete!», igualmente imperativos verbais, para cumprimentar uma ou várias pessoas, respetivamente. A forma do imperativo singular ave passou igualmente para português na qualidade de interjeição e está dicionarizada, mas praticamente não se usa, a não ser no nome de mais uma conhecida oração católica (ave-maria). É frequentemente citada (e até se encontra numa aventura de Astérix...) a frase com que os gladiadores, já na arena, saudavam o imperador antes de entrarem em combate: «Ave, Cæsar, morituri te salutant.» É curioso notar que o tradutor Paulo Rónai1 se serviu de salve para traduzir este ave: «Salve, imperador, os que vão morrer saúdam-te»...
Para as despedidas, a qualquer hora do dia e em qualquer circunstância, oralmente ou por escrito, os romanos recorriam ao verbo valere, que tem múltiplos significados («ser forte, vigoroso», «estar bem, estar de boa saúde», «ter força», «prevalecer, surtir efeito», «ser bom ou eficaz», «custar», «significar»). Para se despedirem de uma só pessoa, diziam «vale!» (segunda pessoa do singular do imperativo do referido verbo), e, para se despedirem de várias, diziam «valete!» (segunda pessoa do plural do imperativo). Também era bastante frequente a expressão «fac ut valeas», que literalmente significa «faz para estar bem de saúde», e em tradução livre se pode verter por «cuida-te».
A Mensagem, de Fernando Pessoa, termina com «Valete, Frates» («Adeus, Irmãos»), uma fórmula usada em meios esotéricos...
Falta acrescentar que, entre os romanos, por vezes também se usava o termo salve em fórmulas de despedida, mas sempre em conjunção com vale. Em Plauto, por exemplo, encontramos «vale atque salve» (Capt., 3, 5, 86), em que atque significa «e», e em Cícero lemos «vale, salve» (Fam. 16, 9, 4). É provável que estas fórmulas pertencessem sobretudo à linguagem falada, embora não faltem também exemplos literários mais rebuscados, dos quais mais o famoso vem da pena de Virgílio (Æn. 11, 97).
Resumindo: atendendo ao significado intrínseco do termo e ao seu curioso historial, parece que as outras duas aceções de vale que o consulente coligiu (“saúde”, “adeus”) acabam por ter a sua razão de ser...
1 Paulo Rónai: Não Perca o Seu Latim. 2.ª edição. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1980. 263 p.