Muito se agradecem observações do consulente, as quais suscitam um breve comentário.
É possível que o [v] seja, foneticamente, uma inovação do português centro-meridional, mas, do ponto de vista fonológico, tem-se considerado que este [v] seria variante da fricativa bilabial [β] (também notada [b], como se verá mais adiante], que parece ainda ocorrer hoje como variante [alofone] de /b/ mesmo em certos falares meridionais (em posição intervocálica, por exemplo, no falar lisboeta, quando se pronuncia acabar). O segmento [v], labiodental, teria prevalecido sobre [β], ao mesmo tempo que permitia manter um contraste fonológico talvez mais antigo mais bem ténue, pois opunha, no sistema dialetal galego-português, duas unidades com o mesmo ponto de articulação, uma oclusiva bilabial e uma fricativa (ou constritiva) bilabial. A neutralização destas duas unidades, que convergiram num único fonema, seria uma inovação dos sistemas dialetais românicos da metade norte da Península Ibérica. Os dialetos portugueses setentrionais seguiram, portanto, o galego, o leonês ou o castelhano, ao neutralizar esse contraste fonológico. Os falares centro-meridionais mantiveram o contraste, mas vincando-o mais, ao substituir o ponto de articulação da fricativa (ou constritiva), que teria deixado de ser bilabial para passar a labiodental.
Próximo desta perspetiva parece ser o ponto de vista da linguista brasileira Rosa Virgínia Mattos e Silva (O Português Arcaico. Uma Aproximação, vol. II, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2008, pág. 549; manteve-se a ortografia do original):
«[...] [N]a fase galego-portuguesa, ou seja, na primeira fase do português arcaico, no Noroeste peninsular, haveria uma oposição entre bilabial oclusiva e bilabial constritiva (/b/: /b/, que convivia com os dialectos portugueses do Sul, em que se faria a oposição bilabial oclusiva e constritiva labiodental (/b/ : /v/). Na segunda fase, a oposição /b/ : /v/ teria desaparecido nos dialectos setentrionais, neutralizando, portanto, os resultados históricos do /b/ e do /v/ que se mantêm nos dialectos centro-meridionais, pelo reforço do substrato moçárabe. Esta última situação configura o dialecto padrão português, pelo menos desde o século XVI, e marca até hoje como regional e estigmatizada a neutralização já realizada desde o período arcaico nos dialectos do Norte
Em outras palavras: no período arcaico haveria duas áreas dialectais, a setentrional, em que uma mudança em curso levou à fusão dos fonemas históricos /b/ e /v/, e a meridional, em que a oposição /b/ e /v/ se manteve e fez recuar a mudança nortenha, já que o dialecto padrão prestigiado, estabelecido nessa área, impediu a difusão da mudança que vinha do Norte.»