Na frase apresentada pelo consulente, o advérbio nunca não está a desempenhar uma função conetiva.
De acordo com o Dicionário Terminológico (DT), os conetores discursivos «são uma classe de marcadores discursivos, que ligam um enunciado a outro enunciado ou uma sequência de enunciados a outra sequência, estabelecendo uma relação semântica e pragmática entre os membros da cadeia discursiva (...), têm a mesma distribuição da classe de palavras a que pertencem e contribuem de modo relevante para a coesão textual, orientando o recetor na interpretação dos enunciados, na construção das inferências, no desenvolvimento dos argumentos e dos contra-argumentos». Neste sentido, na frase apresentada, identifica-se, logo de imediato, dois conetores: porque, com valor explicativo; mas, com valor adversativo.
Note-se que as omissões dos conetores de uma frase não afetam o valor dos nexos estabelecidos, pois este pode ser inferido. Deste modo, identifica-se na frase, entre a segunda e a terceira oração («porque imprevisível, nunca sabemos por onde irá seguir») e a penúltima oração e a última («nunca fica perdida, nunca abdica de se ancorar na estrutura»), uma conexão aditiva e que se recupera por inferência. Estas orações estabelecem entre si uma relação de coordenação, sendo consideradas coordenadas assindéticas, visto nenhuma delas ser introduzida por uma conjunção. Segundo Macário Lopes e Rio-Torto, em Semântica (editora Caminho), «os nexos semânticos entre situações podem ser marcados através de conetores, mas podem também ser inferencialmente apreendidos, graças à interação entre os conteúdos expressos e o nosso conhecimento do mundo» (pág. 77). Por conseguinte, a relação estabelecida entre estas orações pode ser clarificada pela introdução da conjunção e, que veicula um sentido aditivo: «porque imprevisível e nunca sabemos por onde irá seguir (...) nunca fica perdida e nunca abdica de se ancorar na estrutura».
No que concerne ao advérbio nunca, a sua função na frase é a de assinalar um valor temporal de «em nenhum momento no tempo passado, presente ou futuro; em tempo algum» (Dicionário da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa). Serve, portanto, para marcar o valor expressivo de negação. Note-se que a sua omissão da frase faz com que esta apresente um sentido diferente do original, passando a ter uma polaridade afirmativa: «É música livre, porque imprevisível, sabemos por onde irá seguir, mas fica perdida, abdica de se ancorar na estrutura.».