Um dos processos tradicionalmente incluídos na formação de palavras é a conversão (também designada derivação regressiva). Esta consiste na mudança de classe de uma dada palavra, como se observa nas frases (1) e (2), que exemplificam a conversão do adjetivo português no nome/substantivo português:
(1) «Este produto é português.» (adjetivo)
(2) «O português trouxe produtos do seu país.» (nome/substantivo)
A presença do artigo definido em (2) assinala a classe de pertença da palavra, ou seja, a classe do nome/substantivo, que é a única compatível com artigo definido. Note-se, porém, que o artigo definido não é a única possibilidade de que os falantes dispõem para assinalar a presença de um vocábulo pertencente à classe do nome/substantivo. Esta sinalização pode ser feita por meio de outro determinante, como por exemplo:
(i) um artigo indefinido: «Um português trouxe produtos do seu país.»
(ii) um demonstrativo: «Este português trouxe produtos do seu país.»
(iii) um indefinido: «Certo português trouxe produtos do seu país.»
A mudança de uma palavra para a classe dos nomes/substantivos pode também implicar a adoção de algumas características flexionais próprias do nome. Assim, o adjetivo português, quando sofre um processo de conversão para a classe do nome, pode flexionar em género (3) ou número (4), características típicas do nome (mas também do adjetivo, classe de origem):
(3) «A portuguesa trouxe produtos do seu país.»
(4) «Os portugueses trouxeram produtos do seu país.»
Nestes casos, o determinante, artigo definido ou outro, concorda em género e número com o nome que acompanha.
Porém, há casos de conversão em que a palavra não assume todas as propriedades flexionais do nome. É o caso da conversão do infinitivo que admite a flexão em número (5a) mas não em género (5b):
(5) «O olhar era profundo.»
(5a) «Os olhares eram profundos.»
(5b) «*A olhar era profunda.»
Estas mesmas propriedades flexionais apresenta o pronome pessoal eu quando convertido em nome (6), ou seja, é compatível com flexão em número (6a) mas não em género (6b):
(6) «O eu poético trata o tema da tristeza.»
(6a) «Os eus poéticos tratam o tema da tristeza.»
(6b) «*A eu poética trata o tema da tristeza.»
Estas propriedades flexionais manter-se-ão mesmo se o nome/substantivo eu apontar para um referente extralinguístico do género feminino, até porque, como é sabido, o género da língua não tem, na grande maioria das situações, uma relação direta com o género natural: quando se afirma «uma árvore», por exemplo, não se dá uma indicação de que a árvore pertence ao género natural feminino. Por esta razão, nesta situação só se admite o artigo definido no masculino singular ou plural.
A equipa do Ciberdúvidas agradece as gentis palavras do consulente.