DÚVIDAS

Os processos de criação lexical

Será que me podiam ajudar relativamente aos processos de criação lexical existentes e se me poderiam descrever e exemplificá-los, por favor?

Resposta

Os processos de criação ou formação de palavras existentes em português são:1

afixação (derivação e modificação);

conversão (derivação regressiva e derivação imprópria);

composição (morfológica, morfossintáctica).

A afixação é o processo em que se associa um afixo a uma forma de base permitindo a formação de uma palavra. A afixação pode ocorrer por derivação ou modificação. A derivação designa o processo de formação de palavras através de um afixo derivacional (prefixo ou sufixo que determina as propriedades morfossintácticas, como a classe a), o género dos nomes b), o tipo de conjugação dos verbos c), da forma de base em que ocorre):

a) [an]o                             anual

radical nominal                     adjectivo

b) [ram]o                            ramagem

radical nominal masculino       nome feminino

c) [ferv]er                          fervilhar

radical verbal 2.ª conjugação  verbo 1.ª conjugação

A derivação pode ser:

derivação por prefixação — consiste na junção de um afixo à esquerda da forma de base (denominado de prefixo), por exemplo:

gordura                   antigordura

radical nominal          adjectivo

derivação por sufixação — consiste na junção de um afixo à direita da forma de base (sufixo), alterando a suas propriedades morfossintácticas, por exemplo:

[bel]o                          beleza

radical adjectival     nome

 

derivação parassintética — consiste na junção simultânea de um prefixo e um sufixo a uma forma de base. Na parassíntese não é possível suprimir um dos afixos, por exemplo:

abonecar

*aboneca

*bonecar

A modificação designa o processo morfológico de formação de palavras que decorre da junção de um afixo modificador a uma forma de base, por sufixação a) ou por prefixação b):

a) livro                    livrinho

radical nominal          nome

b) fazer                   refazer

radical verbal              verbo

A conversão inclui os processos derivação regressiva e derivação imprópria. A derivação regressiva consiste no processo de formação de nomes a partir de verbos, em que se retira um segmento à forma de base:

atacar     ataque

A derivação imprópria consiste no processo de formação de palavras que não implica qualquer alteração formal, na medida em que apenas se procede à alteração da classe da palavra:

O jantar [nome] estava óptimo.

 

Vamos jantar [verbo].

A composição designa o processo morfológico de formação de palavras que associa duas ou mais formas de base.

Este processo pode realizar-se através da composição morfológica ou composição morfossintáctica. A composição morfológica resulta da associação de dois ou mais radicais ligados entre si por meio de uma vogal de ligação, podendo ocorrer um hífen entre os radicais:

organ[i]grama

afro-americano

A composição morfológica pode ser:

 

composição morfológica de coordenação: ocorre quando os radicais da palavra composta apresentam um estatuto idêntico contribuindo de igual modo para a interpretação semântica da palavra. Os compostos deste tipo são adjectivos, e o contraste de género e flexão de número ocorre no final da palavra (Ex: socioeconómicosocioeconómicas).

 

composição morfológica de subordinação: ocorre quando o radical que se apresenta à esquerda modifica semanticamente o da direita, pelo que existe uma forte dependência semântica entre os dois radicais. Alguns destes radicais ligam-se por uma vogal de ligação, i ou o, podendo ocorrer um hífen entre eles (Ex: fotografia, luso-descendente, ped[agogia] (em pedagogia não é necessária a vogal porque o segundo radical começa por vogal)

A composição morfossintáctica designa o processo que associa duas ou mais palavras. Estes compostos podem ter uma estrutura de:

coordenação: integra palavras com estatuto idêntico, pelo que estas contribuem de igual modo para a interpretação semântica do composto. A coordenação associa particularmente nomes, podendo também incluir alguns adjectivos, conforme,  actor-encenador, surda-muda, e a flexão ocorre nos dois constituintes, conforme surdas-mudas.

subordinação: integra única e exclusivamente nomes. O nome da esquerda é considerado o núcleo, e o da direita, o modificador. A flexão ocorre no primeiro constituinte (Ex: bombas-relógio). Nestas estruturas os constituintes não apresentam um estatuto semântico idêntico, e o valor semântico do nome à esquerda é modificado pelo valor semântico do nome da direita:

bomba-relógio

reanálise: combina uma forma verbal flexionada na terceira pessoa do singular do presente do indicativo e uma forma nominal [cf.a)]. A flexão ocorre no segundo constituinte [cf. b)]:

a) guarda-roupa

 

b) guarda-roupas


1 Apesar de permitir a formação de palavras, a flexão não é um processo de criação. Aplica-se às palavras variáveis, permitindo especificar as suas propriedades morfossintácticas e morfossemânticas. A flexão é obrigatória e sistemática, podendo ser nominal ou verbal. A flexão nominal aplica-se aos nomes e adjectivos, especificando o número singular ou plural. De notar que o contraste de género não é considerado um processo de flexão (Gramática da Língua Portuguesa, Mateus et alii) dado que não é um processo obrigatório (apenas os nomes animados possuem contraste de género) e pode realizar-se através de outros processos de formação de palavras como derivação (cf. embaixador/embaixatriz), composição (cf. crocodilo-fêmea), contraste de género através de diferentes palavras (cf. ovelha/carneiro) ou contraste de género através do índice temático (cf. gato/gata). A flexão verbal aplica-se aos verbos através da flexão em tempo-modo-aspecto e pessoa-número, ajustando-se à conjunção a que pertence o verbo (1.ª, 2.ª e 3.ª).

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