Em Portugal, o s de rapsódia pronuncia-se [s], tal como se escreve, de acordo com a tradição normativa, mas está muito disseminada e até consagrada em dicionário a pronúncia com [z], ou seja, fazendo com que a palavra soe "rapzódia"1. O mesmo ocorre com rapsodo, nome que se ouve como "rapzodo", muito embora se prescreva a prolação com [s].
Do ponto de vista ortoépico, isto é, na perspetiva normativa da chamada "boa pronúncia", trata-se de uma articulação discutível, que, no passado, chegou a ser censurada e dada como incorreta. Tal opinião é muito claramente manifestada, por exemplo, por Vasco Botelho de Amaral (1912-1980), no seu Grande Dicionário de Dificuldades e Subtilezas do Idioma Português, de 1958, juntando informação relevante sobre a história destas palavras (manteve-se a ortografia do original):
«Rapsódia, e não "rapzódia", como alguns proferem. Em grego rhapsodia. [...] Como, principalmente na Rádio, se está a divulgar erròneamente a pronúncia rapzódia, convém advertir no que escrevei em Rádio Mundial (.º 2).
Em grego havia, e há, uma letra chamada "psi" (leia-se "pssi"). A tal letra correspondeu em latim "ps" e em português também. Como se profere? Assim: "pss" (e não "pz").
Posto isto, saiba-se que rhapsodos era o que "cosia" ou ajustava cantos, cantor ambulante, ou o que recitava poemas de terra em terra. Poema era rhapsodia, e este mesmo nome se deu aos trechos ou cantos de poema [...].
Posteriormente, aplicou-se, nas línguas europeias, o termo correspondente no grego, designando obra ou trecho feito de pedaços ou de partes diferentes; e daí vem a aplicação às composições musicais de vários cantos populares de um país.
A palavra, isto é, a forma portuguesa é: rapsódia. O "ps" em português continua a ler-se como em grego e latim. Portanto, a pronúncia "pz", "rapzódia", deve desaparecer para sempre da boca de quem fala correctamente. [...].»
Em suma, em Portugal, ao contrário das recomendações de autores de gramáticas e guias prescritivos mais antigos, a palavra rapsódia não só se pronuncia frequentemente "rapzódia", como também assim se regista em dicionários recentes produzidos em Portugal2. Quem diga "rapssódia" tem a tradição normativa do seu lado; mas quem prefira a forma com [z] já não incorre em erro, pela força do uso, contrariando o preceituado por Botelho de Amaral.
1 No dicionário da Academia das Ciências de Lisboa, a transcrição fonética do vocábulo apresenta o símbolo [z], que marca a sibilante sonora produzida em casa ou azo. Nos demais países de língua portuguesa, a situação parece semelhante, exceto no Brasil, cuja lexicografia apenas regista a pronúncia com [s], rap[s]ódia, isto é com a consoante sibilante surda representada por ss em passar ou por ç em taça. É possível que na sonorização do s de rapsódia tenha atuado a analogia com raposa, por intermédio da forma incorreta "raposódia", que não se atesta, num processo de etimologia popular, isto é, de interpretação errónea da origem de um vocábulo (cf. Etimologia popular na Wikipédia).
2 O Dicionário Priberam da Língua Portuguesa assinala as duas pronúncias de rapsódia, mas da Infopédia (da Porto Editora) apenas consta a transcrição que exibe a consoante sibilante sonora, ou seja [z]: [ʀɐˈpzɔdjɐ]. No Vocabulário Ortográfico Comum da Língua Portuguesa, contudo, a transcrição fonética reproduz a pronúncia mais conservadora, com [s], mesmo no vocabulário correspondente a Portugal.