Desde há muito tempo que se escreve torriense (ver nos conteúdos em arquivo aqui e aqui). A forma torreense já tinha desaparecido da ortografia antes de 1945.
Com efeito, em 1940, o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP) da Academia das Ciências de Lisboa fixava as grafias açoriano, siniense e torriense; no entanto, contraditoriamente consignava cabo-verdeano, que, depois de 1945, passou a escrever-se cabo-verdiano, com i.
As Bases Analíticas do Acordo de 1945 – generalizava a sequência -iense em gentílicos derivados de topónimos com e átono como vogal final:
«(Base IX, 3.º) 3.° Escrevem-se com i, e não com e, antes da sílaba tónica, os adjectivos e substantivos derivados em que entram os sufixos mistos de formação vernácula iano e iense, os quais são o resultado da combinação dos sufixos ano e ense com um i de origem analógica (baseado em palavras onde ano e ense estão precedidos de i pertencente ao tema: horaciano, italiano, duriense, flaviense, etc.): açoriano, cabo-verdiano, camoniano, goisiano («relativo a Damião de Góis»), sofocliano, torriano («de Torres Vedras»); siniense («de Sines»), torriense («de povoação chamada Torres»).»
É discutível o facto de, no VOLP de 1940, se considerar que torriano é o gentílico de Torres Vedras. Seja como for, em relação à afixação de -ense, Rebelo Gonçalves reiteraria o registo de torriano e torriense em 1966, no seu Vocabulário da Língua Portuguesa. O Acordo Ortográfico de 1990 não alteraria nem o preceito nem a grafia das formas gentílicas. E não deixa de ser surpreendente que a Infopédia registe a forma sineense como sinónimo de siniense, já que a codificação ortográfica aplicada desde há 80 anos prevê e apresenta a forma -iense: siniense.
Acrescente-se que a ortografia portuguesa (como a espanhola ou até a italiana e alemã) consiste num conjunto de regras gerais com poucas exceções – e os casos vertentes não constituem exceções quando usados como nomes comuns ou adjetivos no discurso corrente. Quanto aos nomes próprios, também não se aceitam exceções, a não ser rarissimamente, como é o caso de Bahia. Em todo o caso, a escrita corrente dos nomes próprios não escapa às regras da norma em vigor, caso contrário, a respeitarem-se todas as grafias tradicionais, anteriores à reforma ortográfica de 1911, continuaria a grafar-se Thomar, em vez de Tomar, ou Vianna do Castello, em lugar de Viana do Castelo1. Por outras palavras, a ortografia da língua portuguesa, tal como tem sido entendida desde a reforma de 1911, não fixa idiossincraticamente a forma de cada nome próprio; pelo contrário, submete todos os itens do léxico comum e os do onomástico aos mesmos princípios ortográficos.
Dito isto, não se pense que é impossível escrever torreense. Na verdade, tanto o Acordo de 1945 como o de 1990 aceitam que certas grafias se mantenham em certos usos. Assim, lê-se no AO 1945 (Base L):
«[...][P]ode manter-se a grafia original de quaisquer firmas comerciais, nomes de sociedades, marcas e títulos que estejam inscritos em registo público» (http://www.portaldalinguaportuguesa.org/?action=acordo&id=8-50&version=1945)
E no AO 1990 Base XXI:
«[..] [P]ode manter-se a grafia original de quaisquer firmas comerciais, nomes de sociedades, marcas e títulos que estejam inscritos em registo público.»
Em suma, escrever-se-á torriense numa frase como «nasci em Torres Vedras e, portanto, sou torriense». Em nomes próprios, não será impossível escrever Torreense – por exemplo, se se puder confirmar que dado nome próprio se manteve assim depois de 1940.
1 Em Portugal, o caso de Buçaco merece registo: à luz das normas ortográficas criadas em 1911, o topónimo deve ser e é escrito com ç; contudo, subsistiu a grafia Bussaco, anterior a 1911, que muitas pessoas creem ser a mais antiga e que defendem como preferível por se supor que assim se evitam situações de cacofonia entre visitantes estrangeiros, que se diz ignorarem o valor fonológico associado a ç e pronunciarem "bucaco". Acontece, não obstante, que a documentação medieval exibe a forma Buzaco, cujo z se transpõe desde 1911 como ç, e não como s, por razões de fonética histórica. Do ponto de vista etimológico, a grafia Buçaco é, portanto, mais consistente.