« (...) Achei intrigante a definição de gay e a de lésbica. Vejamos: uma lésbica é definida como uma mulher que se sente atraída, romântica e afetivamente, por pessoas do mesmo género. O mesmo para a definição de gay, que é similar. (...)»
Chama-se ABCLGBTQIA+ e trata-se de uma colaboração da Fox Life com a Associação ILGA Portugal que propõe divulgar «a todes» o significado de 37 palavras ou expressões. Uma oportunidade para aprender o que quer dizer cisgénero, deadnaming, expressão de género, não binária, intersexo, questionamento identitário, pansexual, packing, misgendering, linguagem inclusiva, etc. São mesmo 37. Recomendo que acedam ao site https://abclgbtqia.com. Aprender, sempre será uma oportunidade. Neste caso existem razões acrescidas para aprendermos os conceitos básicos de um mundo que continua a ser novo. Não vale a pena não contar que sejam de aprendizagem instintiva. Não são.
Parei no significado de linguagem inclusiva: «Método de escrita e oralidade através da especificação para incluir identidades femininas, masculinas e não binárias. Ou seja, não só não se utiliza o plural masculino como representativo como especifica os vários pronomes (ex: em vez de coordenador usa-se coordenador/a/e).»
Trata-se de uma pequena revolução na linguagem. São séculos de sociedade patriarcal e do uso do género masculino quando nos queremos referir ao que é universal. É um dado adquirido. Quando uma empresa se quer dirigir aos seus clientes, é sabido que usa «Caro Cliente» e não «Caro/a/e Cliente».
Reparem que «a todes», referido acima, não é algarvio. Tem uma razão de ser, um significado e um objetivo claro: incluir todos na linguagem. E acabei de escrever usando, como costumo, linguagem não inclusiva. Todos não representa todas as pessoas.
Estaremos perante embirrações ou perante justas reivindicações? Presumo que as opiniões se dividam e que muitos (novamente usei linguagem não inclusiva. Vou deixar de assinalar) considerem um exagero o que aqui está em causa. Desde as mudanças na linguagem à aprendizagem de novos conceitos, e são de facto muitos conceitos novos, há quem não esteja disponível para tanto. Há até quem se sinta excluído a propósito, por exemplo, da linguagem inclusiva e da nova e extensa terminologia. Curiosa ironia. O objetivo é incluir, mas há quem acabe por se sentir excluído.
Não há embirrações e não há exageros. A importância da linguagem é extrema. É por demais natural que o justo reconhecimento dos direitos fundamentais da comunidade LGBTQIA+ tenha também impacto na linguagem. Podemos fazer de patronato perante as reivindicações dos trabalhadores, de patriarcado perante as reivindicações feministas. Ou seja: podemos repetir o padrão de resistência do grupo que tem poder. Mas é a decisão errada e, como muito se diz agora, é ficar do lado errado da história. Sempre foi.
Desta campanha temos visto cartazes distribuídos nas ruas e até páginas aqui no Público, contendo as ditas definições. Achei intrigante a definição de gay e a de lésbica. Vejamos: uma lésbica é definida como uma mulher que se sente atraída, romântica e afetivamente, por pessoas do mesmo género. O mesmo para a definição de gay, que é similar.
Mas por que razão se fala de atração romântica e de atração afetiva mas não de atração sexual? Foi uma intenção? Qual é a razão para a ausência da palavra mais importante e, aliás, a que faz mais sentido juntar à palavra atração? Estaremos a combater o preconceito ao mesmo tempo que lhe fazemos algumas cedências?
Creio que a maioria dos portugueses desconhece alguns dos significados das palavras e expressões que este projeto se propõe dar a conhecer. É certo que a maioria ainda não usa linguagem inclusiva ou tão pouco está sensibilizada para o uso da linguagem neutra. Outra definição a consultar no referido site. É, por isso, um projeto da maior conveniência e utilidade. É um verdadeiro serviço público.
Mas estou absolutamente convicta que a maioria dos portugueses já vive bem com uma definição de gay ou de lésbica que fale de atração sexual. Para os que ainda não estão preparados: lamento, mas já não há desculpas. Corram o que puderem. Estão muito atrasados.
Se isto é importante? É muito. Estamos a falar de linguagem e os limites da nossa linguagem são os limites do nosso mundo, como dizia o grande filósofo Ludwig Wittgenstein. O pensamento exprime-se em linguagem. É o próprio pensamento que está inquinado quando a linguagem tem falhas. O gay e a lésbica platónicos não convencem ninguém e, sobretudo, seria péssimo se convencessem. É também de sexo que estamos a falar.
No sábado [18/06/2022], pelo menos 25 mil pessoas desceram do Príncipe Real até à Ribeira das Naus. Deveremos ser delas aliadas. Trata-se de outra definição que está no site. E o género do substantivo aliadas está correto. Espreitem.
Cf. Bromance + A polémica expressão «pessoas que menstruam» + Nem todas as pessoas que menstruam são mulheres + “Mulher” é pouco inclusivo. E que tal “pessoa com vagina”?
Artigo de opinião incluído no jornal Público em 20 de junho de 2022.