« (...) É claro que todos já inclui todas as pessoas desse grupo, como já vimos acima, mas marcar no discurso a palavra todas significa dar relevo, significa mostrar consideração especial, significa desejar ressaltar os seres do sexo feminino daquele grupo. (...) »
Ontem me fizeram a seguinte pergunta:
– Professor, está correto usar «Bom dia a todos e todas»?
Sim, está correto.
Mas, antes de eu explicar, vou fazer um resumo dos usos dessas duas formas pronominais, beleza? É o seguinte:
TODOS: segundo a gramática da língua portuguesa, quando esse pronome é empregado para se referir a pessoas de sexos diferentes, tem valor INCLUSIVO/NEUTRO, ou seja, seu uso vale para seres do sexo masculino e feminino simultaneamente. Agora, ele também pode ter valor exclusivamente masculino, referindo-se apenas a seres do sexo masculino. Este ou aquele uso dependerá do contexto frasal! (Já vou explicar mais à frente. Respire fundo.)
TODAS: segundo a gramática da língua portuguesa, quando esse pronome é usado para pessoas, refere-se apenas a seres do sexo feminino.
[Perceba o efeito dominó ao se distorcer a gramática da língua, a partir de agora.]
Dito isso, por que razão alguém usaria «Bom dia a todos e todas!» se a forma pronominal todos já inclui geral (seres de qualquer sexo e de qualquer gênero biopsicossocial)?
Simples. Dizer «Bom dia a todos e todas!» é uma forma de demonstrar deferência às mulheres do grupo para o qual se dirige o discurso.
É claro que todos já inclui todas as pessoas desse grupo, como já vimos acima, mas marcar no discurso a palavra todas significa dar relevo, significa mostrar consideração especial, significa desejar ressaltar os seres do sexo feminino daquele grupo. Isso é cortês e parece denotar a melhor das boas intenções, certo?
Ah, importante: quando se faz isso («Bom dia a todos e todas»), nós percebemos que o enunciador desta frase quis usar todos tão somente para seres do sexo masculino, o que está correto também, pois todos em contraposição com todas é uma forma que se refere, contextualmente, só a seres do sexo masculino.
MAS... como ideologia e linguagem caminham juntas, usar «todos e todas» acaba sendo empregado com intenções outras («Olha como fulano é inclusivo!»).
No entanto, há um provérbio que diz «O diabo está nos detalhes».
Ao fazerem isso, muitos (intencionalmente) acabam desencadeando a falácia de que a língua portuguesa é machista e que quem NÃO usa todos e todas automaticamente não é inclusivo e é (adivinha?) machista.
Percebe como se distorce a gramática, a linguagem, para atender a fins ideológicos?
Afinal de contas, quem quer ser tachado de machista e não inclusivo? Ter um alvo desses na testa implica ser jogado na lata do lixo da falta de empatia, da falta de respeito, da falta de HUMANIDADE.
Entenda: não estou dizendo que você não deva usar «Bom dia a todos e todas!» — afinal, você pode usar, sim, com a maior das boas intenções. O que NÃO se pode fazer é, subjacente ou explicitamente, condenar quem só usa «Bom dia a todos!», tachando-o de machista ou não inclusivo, ou não empático, pois fazer isso é distorcer a gramática da língua para fins escusos.
A honestidade intelectual e o respeito mútuo devem imperar.
Cf. A polémica expressão «pessoas que menstruam» + Nem todas as pessoas que menstruam são mulheres + “Mulher” é pouco inclusivo. E que tal “pessoa com vagina”? + O pânico woke
Apontamento do professor e gramático brasileiro Fernando Pestana no mural Língua e Tradição (Facebook, 25/09/2023).