Nos últimos tempos, no âmbito da pandemia que assola o mundo, muito se ouve e lê que alguém «testou positivo/negativo» ou que alguém «deu positivo/negativo». Estarão estas expressões corretas?
Antes de mais, comecemos pela expressão «testar positivo/negativo». A falantes mais atentos, poderá afigurar-se estranha a frase, levando muitos a supor que o verbo ocorre como intransitivo, quando os seus registos o fazem exclusivamente transitivo (cf. Dicionário Infopédia da Língua Portuguesa e Dicionário Houaiss); além disso, os adjetivos positivo ou negativo desempenham função adverbial, controversamente equivalentes a positivamente e negativamente1. O mesmo se poderá dizer acerca da construção com dar: «alguém dar positivo/negativo» (em referência a alguém ter-se submetido ao teste).
Ao que tudo indica, estamos perante um decalque de construções de inglês «he tested positive for the coronavirus», que seria traduzível por «ele teve resultado positivo na análise (feita) ao coronavírus». No entanto, verificamos, indiscutivelmente, que há uma preferência pelo uso do verbo testar, o qual se tem popularizado em todos os países de língua oficial portuguesa, como confirma qualquer pesquisa rápida na Internet2. Assim sendo, a tradução mais imediata (ou apressada) da frase inglesa seria «ele testou positivo ao coronavírus» ou «ele testou positivo para coronavírus», exibindo uma construção que foge aos padrões de correção sintática do português3.
Quanto a «dar positivo/negativo», deixou esta de ser estranha aos falantes de língua portuguesa: «Príncipe Carlos deu positivo para a covid-19». No entanto, e apesar de não constituir motivo de rejeição, a verdade é que a mesma parece vinda do espanhol, onde é frequente e aceite: «El jefe de prensa de Bolsonaro da positivo en coronavírus […]». Não que com isto se queira dizer que em português não é aceite, porque é; ainda assim, os mais exigentes com a coerência lógica e referencial da linguagem podem considerar que a forma correta será «exame do Príncipe Carlos ao coronavírus deu resultado positivo» ou «exame de coronavírus deu resultado positivo ao Príncipe Carlos».
Contudo, assumindo a aceitabilidade de ambos os usos, quais as formas que consideraríamos corretas, querendo explicitar a presença do vírus a que se refere o resultado: «dar positivo em coronavírus», «dar positivo para…» ou «dar positivo por…»? Em espanhol é bem claro que o uso de qualquer uma das preposições é correto, tendo em conta o que recomenda a Fundação para o Espanhol Urgente (Fudéu RAE). No entanto, o mesmo não acontece com a língua portuguesa.
Com efeito, em espanhol podemos ler «Trump y Melania dan positivo en coronavirus a un mes de las elecciones presidenciales», mas não podemos traduzir à letra por *«Trump e Melania dão positivo no coronavírus a um mês das eleições presidenciais» (o * indica que a frase não é aceitável). A tradução mais imediata seria, como anteriormente referido, aliás, «Trump e Melania testam positivo ao cononavírus a um mês das eleições presenciais» (cf. Donald Trump e Melania testam positivo ao coronavírus).
Quanto à construção «dar positivo/negativo para», encontramo-la registada numa notícia do portal Sapo: «Primeiro cenário – se o teste der positivo para o novo coronavírus» (Sapo, 16/04/2020, aqui). Aceita-se esta construção, que não deixando de ser inovadora, retira a sua legitimidade de um subentendido (uma elipse), a do substantivo presença: «Primeiro cenário – se o teste der [resultado] positivo para [a presença d]o novo coronavírus.»
O mesmo comportamento tem a expressão «dar positivo/negativo por». Aqui, e apesar de não ser de uso corrente em português, verificamos que é possível o uso da mesma, em primeiro lugar, se a causa do resultado positivo ou negativo for especificada – «o jogador deu positivo por coronavírus» (entenda-se: «por causa do coronavírus») –, ou então, e à semelhança de «dar positivo/negativo para», se se subentender o substantivo presença – «o jogador deu positivo por [presença de] coronavírus.
Em síntese, ambas as construções são discutíveis e rejeitáveis tendo em conta os padrões corretos da sintaxe da língua portuguesa. Contudo, são construções sintéticas, quando comparadas às construções corretas em alternativa. Não admira, portanto, que, com o impacto avassalador da pandemia de covid-19, tão presente no quotidiano de todos, a disponibilidade e economia expressiva das construções «testar positivo» e «dar positivo» constituam fatores determinantes para a generalização e consagração destes usos.
1 O linguista brasileiro Marcos Bagno, em artigo intitulado "'Ela testou positivo': que sintaxe é essa?" e publicado em 30/03/2020, no Blog da Parábola Editorial, observa o seguinte: «A construção testar positivo [...] é um decalque do inglês to test positive. Esta é uma propriedade sintática da língua inglesa chamada construção resultativa. É uma construção que permite formular uma frase que condensa uma informação a respeito do resultado obtido pela ação desempenhada pelo sujeito. Por exemplo: Peter hammered the can flat. Literalmente: “Peter martelou a lata chata”, mas o que realmente está dito ali é: “Peter martelou a lata até ela ficar achatada”. [...] Mas a construção resultativa também pode ter um verbo intransitivo: The lake froze solid, ou seja, “o lago congelou a ponto de ficar sólido”. E é precisamente desse tipo a construção “She tested positive”: “Ela se submeteu a um teste que resultou positivo”. A construção resultativa do inglês, como se vê, permite sintetizar a informação numa frase simples com sujeito+verbo+adjetivo: she + tested + positive.» Bagno assinala ainda que na construção inglesa positive é um predicativo do sujeito, e não um advérbio; contudo, a interpretação do decalque português parece compatível com a atribuição do valor adverbial a positivo em «ele testou positivo» (sobre o valor adverbial de certos predicativos do sujeito, ver a resposta "Predicativo do sujeito, anexo predicativo ou constituinte predicativo adjunto").
2 Cf. Covid-19: Trump regressa à sala oval seis dias depois de testar positivo + Membro do Parlamento do Reino Unido suspensa por viajar de comboio, depois de testar positivo para Covid-19 + Covid-19. Câmara de Almeida encerra depois de funcionária testar positivo + Von der Leyen volta a testar negativo para a covid-19 mas mantém isolamento até terça-feira.
3 Marcos Bagno (op. cit.) assinala que outras línguas românicas como o português – o espanhol, o francês ou o italiano – também importaram este uso mantendo a estrutura inglesa, muito embora esta contrarie a sintaxe correta de cada um desses idiomas.