Muito se tem escrito e falado sobre a utilização do grau centígrado como unidade corrente de temperatura. Nos jornais, na rádio e na televisão, uns dizem «grau Celsius», e outros falam no «grau centígrado». Mas subsiste, para algumas pessoas, a dúvida aparentemente eterna: a forma correcta é «grau centígrado», ou «grau Celsius»?
Pois bem, caro leitor, a designação «grau centígrado» foi rejeitada há muito tempo, em 1948, logo na 9.ª Conferência Geral de Pesos e Medidas, ligada ao Bureau International des Poids et Mesures (BIPM), autoridade mundial máxima na definição de unidades. Desde então, a designação correcta passou a ser «grau Celsius», mas os bons hábitos demoram a consolidar-se. Utilizar o obsoleto «grau centígrado» em vez do «grau Celsius» é erro e não é uma simples questão de gosto ou de opção pessoal.
Esta rejeição ocorreu inicialmente porque a palavra centígrado dava a falsa ideia de se tratar de um centésimo (prefixo centi) do grado (centi + grado), sendo o grado uma unidade antiga de medida de ângulos (90° = 100 grados). Recordemos, por exemplo, que centímetro (centi + metro) é a centésima parte do metro.
Posteriormente, numa nova metrologia mais avançada, surgiram outros problemas que levaram ao abandono do ponto de fusão do gelo e do ponto de ebulição da água como marcadores desta escala de temperatura. O grau Celsius passou a ser definido a partir da diferença entre o ponto triplo da água (0,01 °C) e o zero absoluto (-273,15 °C), valendo essa diferença 0,01 °C - (- 273,15 °C) = 273,16 °C. O grau Celsius foi assim redefinido como a fracção 1/273,16 daquela diferença. E a água pura, à pressão normal, não ferve exactamente a 100 °C, mas a uma temperatura ligeiramente mais baixa: 99,974 °C (veja-se a nota final 1). A diferença é diminuta, pelo que, para as aplicações correntes que não exijam muito rigor, pode continuar a dizer-se que «a água ferve a 100 °C» (veja-se a nota final 2). Entre a temperatura de fusão do gelo e a temperatura de ebulição da água, ambas consideradas à pressão normal, nem sequer há, em rigor, 100 divisões de grau Celsius.
O grau Celsius e o kelvin
Nas situações habituais do dia-a-dia, é usual indicar as temperaturas em graus Celsius, como sucede na meteorologia, na temperatura da água do mar, no ponto de fusão dos materiais e na medição dos nossos estados febris. Nos contextos de natureza técnica e científica emprega-se geralmente o kelvin (símbolo K), unidade de temperatura termodinâmica ou temperatura absoluta. Note-se que o kelvin não tem o atributo grau, pelo que não se deve utilizar “°K” como símbolo desta unidade. O kelvin tem o mesmo “tamanho” que o grau Celsius, com a única diferença dos critérios definidores do zero de ambas as escalas, que são, esses, sim, diferentes.
Designando arbitrariamente a temperatura Celsius por "t" e a temperatura termodinâmica por "T", teremos a seguinte relação de conversão entre as referidas escalas: T = t + 273,15. Por exemplo, 30 °C = 303,15 K. Porém, uma variação de temperatura tem o mesmo valor em graus Celsius ou em kelvins. Ou seja, se uma determinada temperatura subiu, por exemplo, 10 °C, também subiu 10 K, como resulta da fórmula de conversão acima referida. Veja-se que 40 °C = 313,15 K, e 313,15 K - 303,15 K = 10 K, do mesmo modo que 40 °C - 30 °C = 10 °C.
Terminologia e simbologia do grau Celsius
Os nomes das unidades começam sempre por minúscula, mesmo que derivem de nomes de cientistas, porque são — neste contexto — substantivos comuns. O «grau Celsius» parece uma contradição a esta regra, mas não é contradição porque a unidade é grau, e Celsius aparece como um qualificativo que aqui pontua como substantivo próprio, homenageando o físico sueco Anders Celsius (1701-1744). É uma situação diferente da que ocorre com volt, ampere, watt, joule, hertz, newton, pascal, tesla, ohm, etc., que são, em si mesmos, nomes de unidades. Se acaso Blaise Pascal (1623-1662) tivesse criado uma escala termométrica, falar-se-ia hoje no «grau Pascal» (com maiúscula). Não é correcto dizer ou escrever «a temperatura de dezanove graus "centígrados"», pois na terminologia correcta são «dezanove graus Celsius» (19 °C). E 19 °C também não se devem escrever numericamente como 19 ° C), pois os símbolos ° e C formam um símbolo único e devem ficar sempre juntos um do outro. Mencionar apenas «19 °» é igualmente incorrecto, pois esta indicação será entendida como a medida de um ângulo, e não de uma temperatura (e o símbolo °C, não estaria completo).
Por último, se quisermos ser mesmo rigorosos, o símbolo do grau (°), antes do C, não é o símbolo vulgar de ordinal (º), que utilizamos ao escrever 1.º. É um símbolo especial que se obtém, nos computadores, premindo a tecla Alt e, mantendo-a pressionada, digitando sucessivamente — no teclado numérico — a sequência 0176. Ou seja, abreviadamente, Alt + 0176. Porém, a representação °C não é muito diferente de "ºC", e esta última forma é bastante aceitável na vida corrente.
A legislação portuguesa, desde o primeiro decreto-lei que instituiu o Sistema Internacional de Unidades como sistema de unidades legal em Portugal (1983), não abona absolutamente nada sobre o «grau centígrado». Trata-se, portanto, de matéria plenamente consensual nos sentidos corrente e técnico. É tão consensual como escrever açúcar com ç e não com ss. Quase 70 anos depois daquela decisão de 1948, o velho grau centígrado não passa de um fóssil terminológico, oficialmente abolido mas ainda usado por pessoas menos actualizadas.
Notas:
1 – Sobre esta temperatura (99,974 ºC), veja-se o documento Appendix A – International Temperature Scale of 1990, onde a parte relevante se encontra na página 501. As exigências metrológicas exigem a especificação da composição da água utilizada para materializar os pontos fixos de referência, como se pode ver em Celsius (Wikipédia).
2 – Por razões de simplicidade e valor didáctico experimental, continua a ensinar-se nas escolas que «a água pura, à pressão normal, congela a 0 °C e ferve a 100 °C». Porém, a definição internacional para a escala de Celsius é a que se refere acima. Só aproximadamente se pode afirmar que esta escala é centígrada.
Legislação portuguesa
Decreto-Lei n.º 427/83, de 7 de Dezembro
Decreto-Lei n.º 320/84 de 1 de Outubro
Decreto-Lei n.º 238/94, de 19 de Setembro
Decreto-Lei n.º 128/2010, de 3 de Dezembro
Fontes de informação complementar:
Guilherme de Almeida, "Como utilizar corretamente símbolos e nomes de unidades", Sul Informação, 11/09/2013
Guilherme de Almeida, "Utilizar correctamente a simbologia e terminologia das grandezas e unidades físicas: um imperativo para a qualidade", Sul Informação, 18/01/2011
Guilherme de Almeida, Sistema Internacional de Unidades (SI), Grandezas e Unidades Físicas, Terminologia, Símbolos e Recomendações, 3.ª edição, Plátano Editora, Lisboa, 2002. ISBN: 978-972-707-162-3
[O autor não segue o Acordo Ortográfico de 1990.]