A nossa vida é uma casa. A casa tem portas. As portas abrem e fecham. Na nossa vida, que é a nossa casa, entram pessoas. Da nossa vida, saem pessoas. Mas, quando na nossa vida quer entrar um vírus, temos de proteger a nossa casa, porque é a nossa vida. A melhor forma de o fazer é fechando as portas. A casa é o nosso corpo, a nossa vida, o nosso país, o nosso continente. Também cada realidade, social, política ou económica, é uma casa e tem portas.
Um dos primeiros factos que o início da pandemia trouxe consigo foi a necessidade de confinamento. Essa consciência e a sua concretização rapidamente geraram metáforas que se desenvolveram no campo conceptual do conceito de casa. Antes de mais, porque cada um de nós, cada cidade ou cada país poderia ser a «porta de entrada do vírus», concebido com um ser andante que vê em todas as portas abertas um convite à entrada. Se «a doença é estrangeira, vem de fora», a solução encontrada para proteger a casa foi fechar o país («Portugal fecha as portas») e o próprio continente («A Europa fecha-se»). Por essa razão, afirmamos: «Este foi o vírus que nos fechou em casa»! Em simultâneo, as fronteiras, as portas metafóricas de cada estado, fecharam-se. Gradualmente, fronteira alargou o seu sentido porque «a nova fronteira é o tempo». Esta, sim, passou a ser a barreira que deveria ser quebrada.
Assim, a metáfora de casa centrada na porta que se fecha denota busca de proteção, o que se observa na expressão «o país recolhe-se», que traduz o conceito de regresso a casa seguido de fechamento e procura de esconderijo (qual caracol). Esta ideia de refúgio pode ser ampliada pelo recurso à metáfora do convento, espaço físico de recolhimento, mas também de proteção e de agasalho dos frágeis, ideias presentes em «o meu refúgio será sempre este meu convento» ou ligeiramente manipuladas em «vivemos a opressão de uma espécie de religião do confinamento».
O campo conceptual de casa pode ser associado ao conceito de liberdade usurpada. Nesta perspetiva, o cariz neutro (ao até algo apreciativo) de casa converte-se num termo acusatório e algo espúrio: a casa transforma-se em prisão. A perspetiva de quem desenha estas significações já não é a da configuração de um espaço de proteção, mas antes a de um espaço de constrangimento da liberdade: «estamos metidos no cárcere». E, privar dessa liberdade pode até ser um ato ilegal: «deixar os idosos confinados é sequestro». Este mesmo conceito amplia-se ao campo político, o que permite antever uma «ditadura sanitária» ou uma «democracia confinada».
O confinamento foi ainda processado nos cérebros humanos através do recurso ao conceito de paragem parcial, o que deu aso à construção de metáforas como «vida em pausa», «vida em stand-by» ou, convertendo o conceito numa metáfora de foro agrícola, num «pousio que está para durar».
Da mesma forma como se concebeu uma das fases da evolução da pandemia como uma casa cujas portas se fecham, o regressa gradual à normalidade é entendido como uma abertura dessas mesmas portas. Com efeito, vemos o «país a abrir portas», «a fronteira da UE que reabre» e uma «Europa que começa a abrir destinos». Começa também a «reabrir a economia» e, «mais profundamente, a vida».
Para além do campo conceptual de guerra, das catástrofes naturais, também os conceitos de casa e de interrupção temporal se converteram num espaço mental de interpretação da realidade, que levou à criação de metáforas evocadoras dos conceitos de proteção e defesa, isolamento e suspensão de vida, ausência de liberdade e controlo excessivo. Metáforas que vão dizendo o confinamento/desconfinamento real e também a evolução social, política e até ideológica. E esperemos que nenhuma destas últimas nos obrigue, de novo, a fechar aquilo que agora se está a abrir.