A ocorrência de mais um dia de grandes descontos nas lojas retalhistas e nos grandes armazéns comerciais − o universalmente chamado Black Friday – foi classificado como um «contrassenso» pelo ministro do Ambiente e Ação Climática português, João Pedro Matos Fernandes, por se tratar, como justificou, do «expoente máximo e negativo de uma sociedade capitalista», virada para o mais desbragado consumismo, em contraciclo aos crescentes apelos institucionais em prol de uma «economia de utilizadores».* Ainda por cima – acrescentamos nós – acresce um segundo contrassenso: a imitação até na língua inglesa do que começou nos EUA.
Tudo começou, de facto, nos Estados Unidos da América. Ao que tudo indica, na década de 50 do século passado, as pessoas telefonavam para as suas empresas afirmando estarem doentes e não poderem trabalhar no dia após o Dia de Ação das Graças. Ora, o que acontecia efetivamente é que elas aproveitavam para ter um fim de semana prolongado e começarem a fazer as suas compras de Natal após esta celebração. Rapidamente este dia se tornou um feriado nacional e deixou de ser necessário arranjar desculpas para não trabalhar. Porquê então o nome Black Friday? Como aqui se conta, devido ao intenso trânsito, os inúmeros acidentes e o caos resultante da corrida desenfreada às lojas, a polícia de Filadélfia passou desde então a denominar assim essas sextas-feiras de todos os excessos consumistas. Com o decorrer dos anos, não foi só o nome que ganhou raízes: o próprio evento veio para ficar e extravasou fronteiras, estendendo-se aos quatro cantos do planeta. Na última sexta-feira do mês de novembro, na chamada Black Friday, milhares de pessoas de todo mundo correm atrás do melhor desconto.
Tese diferente, segundo a qual a expressão remonta para o século XIX, quando, nos estados eslavagistas dos EUA, era esse o dia da venda com descontos de escravcos, é descrita neste artigo do semanário francês L'Observateur: «La clause du grand-père», une expression aux relents racistes.
Seja como for, fica a pergunta: não chegou a importação do engodo comercial à escala global – e nem cuidado houve no aportuguesamento do nome (por exemplo, «Sexta-Feira Negra», «dia das promoções, «dos descontos», do «tudo mais barato», etc., etc.)?
Também por aqui passa a relevância internacional da língua portuguesa que queremos, como ainda na presente semana se assinalou com a consagração por parte da UNESCO. E não pela sua subalternização nos seus próprios países – como estes Black Friday, Happy Hour, Final Four, Lisbon Revisited, Crash de preços, Fair Saturdy 2019 ... em Lisboa mais o Allgarve, a Eusébio Cup, o Master Class (da Antena1/SPA), os downsizing, os merchandising, os factoring, os outsourcing, os looks e todos os showrooms e demais anglicismos à solta no espaço público, em Portugal. Como se fôssemos um país anglófono...
* Cf. Falar do avesso faz bem
N.E. — «"Viernes negro», alternativa a Black Friday» é a recomendacão da Fundéu/RAE para o castelhano.