« (...) Será que os jornalistas se limitam a debitar o que ouvem e que está mais na moda, e não se preocupam sequer em traduzir, de modo a que qualquer leitor perceba? (...)».
[...] O recurso desnecessário a termos estrangeiros continua a desagradar a muitos leitores. Na maior parte das vezes, com razão. [O leitor] António Barata leu uma notícia intitulada “Tribunal chumbou concessão no porto de Aveiro realizada sem concurso público” (edição on line, no passado dia 20) e deteve-se na frase em que se explicava que determinadas empresas «são os grandes players do movimento de carga nos portos nacionais». Pergunta o leitor, e pergunta bem, «se o mesmo não poderia ser dito em português ou se existe uma outra qualquer razão» para o recurso ao termo inglês.
A mesma questão poderia ser colocada, por exemplo, em relação ao uso, que se tornou frequente, do termo default em títulos e textos sobre a actual crise financeira, muitas vezes sem qualquer explicação suplementar. Veja-se (é só um exemplo) o título “Default grego faz subir juros da dívida nacional”, que na primeira página da edição do passado dia 18 remetia (mais uma desatenção) para uma estranha “Secção, 00″. Nem na capa nem na página 13, onde se encontrava a peça mal sinalizada, a expressão era traduzida ou explicada. Nas páginas de Economia do jornal, a tradução de termos como este é por vezes feita, entre parênteses. Mas não é feita sempre, e cada omissão representa uma falha na clareza da comunicação.
«Será que os jornalistas», pergunta o leitor, « (...) se limitam a debitar o que ouvem e que está mais na moda, e não se preocupam sequer em traduzir, de modo a que qualquer leitor perceba?». Na verdade, para os exemplos citados, a questão da tradução nem deveria colocar-se. Tanto para players como para default existem palavras portuguesas de uso comum, com o mesmo e preciso significado. Se é verdade que em tempos de globalização o recurso a vocábulos estrangeiros se torna por vezes inevitável — por falta de termo português correspondente, por exigência de precisão, ou por surgirem em discurso directo —, esses termos devem ser grafados em itálico, o que nem sempre acontece, e ser acompanhados, conforme os casos, de explicação ou tradução. O contrário não é sintoma de cosmopolitismo, mas de desleixo.
Já agora, recomenda-se maior cuidado com a redacção de notícias que reproduzem, sem o assinalar, textos de fontes noticiosas estrangeiras. Para que da sua tradução apressada não resultem deslizes como o que a leitora Alda Nobre detectou nas páginas de Desporto do dia 5 deste mês, onde se pode ler que o guarda-redes de um clube inglês marcou um golo, sendo «o quarto a fazê-lo, depois de Peter Schmeichel, Brad Friedel and Paul Robinson...».
Há outras palavras, essas bem portuguesas, que todos ganharíamos em ver afastadas de alguns títulos informativos. Uma delas, que têm vindo a propagar-se de modo epidémico, sem cuidar sequer de se apresentar como figura de estilo, antes procurando impor-se num desadequado sentido literal, é o malfadado verbo “arrasar”. “BE arrasa projectos do PS e do PSD sobre maternidade de substituição” foi o título destacado escolhido no passado dia 20 para uma notícia das actividades parlamentares da véspera. É só um exemplo, mas foi o que levou o leitor Miguel Azevedo a protestar: «Mais uma vez opinião. Por mim preferia que a jornalista me desse os factos e me deixasse a mim a tarefa de decidir quem arrasou quem».
Diga-se que a notícia em causa relata os factos e não recorre ao tremendismo do verbo em questão. O título — que pode ou não ser da autoria de quem escreveu a peça, mas é sempre, em última análise, da responsabilidade de um editor — é que desfigura o relato noticioso, assumindo uma natureza opinativa deslocada e censurável. Não está em causa a opinião, mas o lugar onde se expressa. A demarcação clara entre informação e opinião é um traço essencial do projecto editorial do “Público” e deve também ser entendida como uma demonstração de respeito pela inteligência dos leitores.