É certo e sabido que a unificação total das duas normas ortográficas oficiais divergentes (a do Brasil, que obedecia ao formulário de 1943, submetido a pequenas alterações em 1971, e a dos restantes países lusófonos, que seguia o Acordo de 1945, sujeito a uma ligeira alteração em 1973) é uma missão impossível, dado não ser realizável o estabelecimento de uma norma ortográfica comum a todos os países lusófonos. Portanto, o Acordo Ortográfico de 1990 poderá apenas pretender definir uma norma jurídica única para o português. Quem trabalha diariamente com a língua sabe quão difícil seria essa tarefa e quanto ela descaracterizaria o nosso idioma.
Desde a entrada em vigor do Acordo Ortográfico de 1990 – medida governamental algo precipitada, tenho referido por várias vezes e não sou voz isolada –, sente-se a necessidade de uma verdadeira revisão do texto oficial, no sentido de corrigir alguns problemas de redação, reduzir as divergências ortográficas, bem como terminar com algumas exceções ou diminuir o número das mesmas. Defendo, por isso, uma verdadeira reforma ortográfica que se adapte ao português atual.
Embora seja de louvar as publicações do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, pela Academia Brasileira de Letras (na sua 5.ª edição), do Vocabulário Ortográfico do Português, pelo Instituto de Linguística Teórica Computacional (ILTEC) que está na génese do Vocabulário Ortográfico Comum da Língua Portuguesa, disponível em linha e da responsabilidade do Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP), ainda não é possível dar por concluído o tema da ortografia (se é que alguma vez se dará por concluído, porque a língua está em constante evolução e é um sistema dinâmico).
A questão do Acordo Ortográfico de 1990 tem representado, antes de tudo, uma excelente oportunidade de repensar e refletir sobre algumas particularidades da língua portuguesa. O sistema ortográfico vigente desde 1945, com ligeiras alterações em 1973, mesmo merecendo todo o nosso respeito, apresenta algumas dificuldades e, em muitos aspetos, necessita de revisão. Como estudiosa da língua, e sabendo que um sistema linguístico está em constante evolução, encaro com alguma naturalidade as mudanças na ortografia; no entanto, no estabelecimento de novas regras, o bom senso terá de imperar, a consagração pelo uso deve ser observada, mas a tradição lexicográfica de longa existência tem de ser considerada e alguns pontos reequacionados. O acordo agora em debate pode não ser um acordo perfeito, mas a sua aplicação é possível, e as imperfeições que apresenta deverão ser resolvidas pelas entidades competentes. Nesse processo, poderiam/deveriam ser ouvidos especialistas e investigadores, não esquecendo os lexicógrafos. É nosso dever analisar, estudar e propor alternativas no sentido de esclarecer dúvidas e resolver dificuldades.
O Acordo Ortográfico de 1990 não estabelece uma ortografia única e inequívoca, deixando várias possibilidades de interpretação em muitos casos, o que tem provocado alguma instabilidade ortográfica.
Este Acordo Ortográfico apresenta muitas regras com exceções. Se, só por si, as mudanças ortográficas desencadeiam naturalmente reações de resistência, por vezes arrebatadas, os casos que fogem às regras gerais desanimam imenso quem escreve em português, pelo que se propõe uma redução das exceções.
Seguindo uma das novas disposições do Acordo Ortográfico, as locuções de qualquer tipo devem ser escritas sem hífen (Base XV, 6.º), salvo as exceções ditas consagradas pelo uso, como é o caso de água-de-colónia, arco-da-velha, cor-de-rosa, mais-que-perfeito, pé-de-meia, ao deus-dará, à queima-roupa. Mas como aferir o que está ou não consagrado pelo uso? Como explicar que pé-de-meia deve ser escrito com hífenes, em virtude da consagração pelo uso, mas pé de atleta não? Ou por que razão arco-da-velha mantém os hífenes, mas o mesmo não acontece em arco da aliança, arco da chuva ou arco de Deus, quando todas estas locuções significam o mesmo? Porquê cor-de-rosa, mas cor de laranja ou cor de vinho? Não seria desejável que as palavras que apresentam o mesmo tipo de constituintes seguissem a mesma norma? O critério da consagração pelo uso, ainda mais num acordo assinado em 1990, não parece constituir um princípio rigoroso para justificar as exceções às regras gerais. Acrescente-se ainda que a dificuldade que a disponibilização de uma listagem de todas as exceções podia ter oferecido aquando da redação do texto oficial hoje é facilmente superada pelos novos meios informáticos ao dispor dos lexicógrafos. Uma listagem, ainda por publicar, poderia ser a solução para estes casos.
Sendo este um ponto controverso da reforma ortográfica, os vocabulários oficializados até ao momento apresentam um diferente entendimento da matéria: a equipa brasileira conserva os hífenes nas exceções consagradas pelo uso referidas no Acordo, enquanto a equipa portuguesa opta pela facultatividade, assumindo também como aceitáveis as variantes sem hífen. Esta eliminação geral do hífen em locuções pode ser encarada como um fator vantajoso, no sentido de uma mais rápida assimilação e memorização da regra, pelo que se poderá propor a eliminação das exceções acima referidas (salvo em deus-dará e queima-roupa, por serem estruturas obviamente diferentes das restantes). Uma outra possibilidade poderia ser seguir o critério semântico, mais ao gosto dos linguistas, mas não tão prático, dada a dificuldade muitas vezes sentida em avaliar o grau de transparência de estruturas: umas, em que o emprego do hífen pode ser justificado quando o sentido do conjunto se altera relativamente ao significado dos componentes (sentido figurado), como em pé-de-meia, e outras que dispensam o hífen, uma vez que a leitura é literal (sentido real), como em fim de semana ou sala de jantar.
No caso de locuções de uso geral, o vocabulário oficial em Portugal, além de aceitar variantes ortográficas para as exceções consagradas pelo uso, indicia que a nova norma apenas se aplica às sequências constituídas por um nome seguido por preposição e por um outro nome (por exemplo, dia a dia, fim de semana, sem hífen, mas azul-e-branco, leva-e-traz, com hífen). Refira-se ainda que o facto de este vocabulário apenas atestar as locuções registadas no Vocabulário da Língua Portuguesa de Rebelo Gonçalves é algo redutor, pois embora ainda seja uma grande obra de referência em língua portuguesa, é um vocabulário datado de 1966 e que não regista, por isso, muitas outras estruturas usadas atual e correntemente como, por exemplo, sobe-e-desce ou todo-o-terreno. É também o caso de expressões com valor de substantivo: será faz de conta, sem hífenes, ou faz-de-conta, com hífenes? Outras dúvidas surgem se nos referirmos às formas onomásticas que entram na composição de palavras do vocabulário comum: nestes casos, os nomes próprios grafam-se com inicial maiúscula ou minúscula? Será calcanhar de aquiles ou calcanhar de Aquiles, maçã de adão ou maçã de Adão, tinta da china ou tinta da China? Por último, os compostos com elementos repetidos são hifenizados, segundo o critério ditado pela Comissão de Lexicologia e Lexicografia da Academia Brasileira de Letras, enquanto em Portugal se segue a tradição gráfica e este tipo de vocábulos se escreve como uma só palavra. Teremos, assim, tique-taque a par de tiquetaque ou zum-zum a par de zunzum. Uma vez mais, diferentes leituras do texto oficial fazem proliferar grafias duplas.
Novamente no quadro das exceções, podemos referir os compostos nos quais o primeiro elemento é uma forma verbal e em que a tradição gráfica dita o uso do hífen, como em conta-gotas ou guarda-chuva (Base XV, 1.º). Nalguns compostos deste género, os respetivos constituintes foram-se aglutinando ao longo do tempo: é o caso de, por exemplo, girassol, madressilva e pontapé. Segundo as novas normas, mandachuva, paraquedas e paraquedista também passaram a comportar-se desta forma, devendo ser escritos aglutinadamente. Contudo, o texto oficial não dita a eliminação do hífen noutros compostos com os antepositivos manda- e para- (a grafia nova não acentua pára), como manda-tudo, para-brisas, para-choques, para-raios, o que é incoerente com as grafias novas mandachuva, paraquedas, paraquedista, paraquedismo. Como explicar que guarda-chuva tenha hífen e mandachuva não, quando ambas as formas são unidades compostas por um verbo e um nome? Surge a dúvida sobre se as palavras cujos constituintes são idênticos deverão também ser aglutinadas. Propõe-se repor o hífen em todos estes vocábulos (manda-chuva, para-quedas, para-quedista, para-quedismo), o que garantiria um tratamento uniformizado a todos os compostos com manda- e para-, ou, em alternativa, aglutinar todos os vocábulos que seguem o mesmo paradigma.
No que ainda diz respeito à hifenização, uma das novas regras estabelece o emprego do hífen nas palavras compostas que designam espécies botânicas e zoológicas (Base XV, 3.º). Este critério de uso obrigatório do hífen em compostos pertencentes à botânica e à zoologia, nomeadamente a espécies, poderia ser alargado a outras áreas de especialidade como a química, citando como exemplos os vocábulos azul-da-prússia, azul-de-cobalto ou azul-de-metileno, que se manteriam hifenizados, por serem termos técnicos. Ainda dentro deste tópico, vale a pena fazer referência a um aditamento da responsabilidade da Comissão de Lexicologia e Lexicografia da Academia Brasileira de Letras, seguido pela equipa portuguesa responsável pelo vocabulário oficializado, que esclarece o não emprego do hífen quando as palavras que designam espécies botânicas e zoológicas têm outros sentidos que não os técnicos. Assim, há compostos que surgem desdobrados como, por exemplo, pé-de-galinha (planta) e pé de galinha (ruga).
Apesar de ser um critério coeso, surgem algumas dúvidas: será que devemos hifenizar vocábulos como grão-de-bico? Enquanto espécie, não há dúvidas, mas enquanto semente levará hífen? E pinheiro-de-riga? Sendo uma espécie, tem hífenes. E a madeira pinho-de-riga terá hífenes? Propomos que o hífen seja alargado, por isso, a todas as áreas de especialidade e não apenas a espécies da botânica e da zoologia.
Há outro problema que se pode levantar relativamente a este tipo de compostos. No caso de esse vocábulo ser uma designação popular de uma espécie botânica ou zoológica, como em bicho-da-madeira, o hífen será obrigatório? Não parece compreensível hifenizar as designações populares, pelo que as equipas dos vários países subscritores poderiam tentar chegar a um entendimento sobre estes casos. Apesar de o objetivo da reforma ser a unificação das duas ortografias oficiais da língua portuguesa, as instituições e, concretamente, as equipas responsáveis pelos vocabulários oficiais têm vindo, pontualmente, a tomar decisões que não são convergentes no que respeita às opções gráficas de diversas palavras e em que poderia ser útil acordarem uma uniformização.
Relativamente a topónimos compostos, as novas regras determinam o uso do hífen quando iniciados pelos adjetivos grã e grão, por forma verbal ou quando os seus elementos estão ligados por artigo, como em Grã-Bretanha, Abre-Campo ou Trás-os-Montes, respetivamente. Nos outros casos, os topónimos compostos escrevem-se com os elementos separados, sem hífen: América do Sul, Cabo Verde, Castelo Branco – sendo Guiné-Bissau uma exceção consagrada pelo uso (Base XV, 2.º). Por que razão se mantém o hífen em Guiné-Bissau, mas Guiné Equatorial ou Timor Leste, por exemplo, são grafados sem hífen? Seria desejável a publicação de uma lista extensiva de topónimos em que se justifique a manutenção do hífen pela sua frequência ou consagração de uso. Ainda a propósito de topónimos, há que referir que certos nomes próprios de lugares apresentam grafias diferentes em cada uma das variedades: Cingapura/Singapura, Dili/Díli, Vietnã/Vietname.
Há mudanças que conduzem ao aumento de situações de homografia, palavras com grafias iguais, pronúncias iguais ou diferentes, mas com significados diversos, e que interferem com a velocidade do processamento da informação no ato de leitura. É o caso da eliminação do acento diferencial em paroxítonos que possuem uma homógrafa sem acentuação própria: para (anteriormente pára), flexão de parar, e para, preposição; pela (anteriormente péla), nome e flexão de pelar, e pela, combinação de per e la; pelo (anteriormente pêlo), flexão de pelar e pelo, nome ou combinação de per e lo; polo (anteriormente pólo), nome, e polo, combinação antiga e popular de por e lo (Base IX, 9.º). A eliminação do acento agudo na terceira pessoa do singular do verbo parar (para) cria um par homógrafo no português (homónimo do português do Brasil), dificultando o reconhecimento e a leitura. Esta opção acaba por se revelar inconsistente quando confrontada com a nova regra (Base VII, 3.º) em que se mantém a distinção entre pôr (verbo) e por (preposição), um par semelhante ao anterior, e também entre pôde (pretérito perfeito) e pode (presente).
O texto oficial estabelece ainda como opcional o acento em formas verbais como amámos, passámos (pretérito perfeito do indicativo), em dêmos (1.ª pessoa do plural do conjuntivo) e em fôrma (nome) – Base IX, 4.º e 6.º, b).
Tendo em conta o exposto, propõe-se, em primeiro lugar, a reposição do acento diferencial em pára, péla, pêlo e pólo. Em segundo lugar, propõe-se uma nova redação que recomende explicitamente as formas do passado terminadas em -ámos na variedade europeia da língua, para as distinguir das diferentes formas não acentuadas do presente do indicativo, bem como a forma dêmos para se distinguir de demos, forma correspondente do pretérito perfeito do indicativo que, enquanto nome, será grafada sem acento na norma de variedade europeia e com acento circunflexo na norma brasileira.
Um dos pontos do Acordo Ortográfico de 1990 referido como mais problemático é o facto de um mesmo vocábulo apresentar mais de uma grafia correta (grafias duplas) e a proliferação da noção da facultatividade na ortografia. A facultatividade não é uma novidade na língua, mas este princípio vai contra o próprio conceito de unificação da ortografia. As grafias duplas são a representação gráfica de pronúncias diferentes, quer entre países, quer dentro do próprio território nacional. Não há dúvidas de que um português diz amnistia e tónico e um brasileiro anistia e tônico, e que qualquer um dos dois irá grafar estas palavras de acordo com a sua pronúncia. Quando na Nota Explicativa se lê: «Os dicionários da língua portuguesa, que passarão a registar as duas formas em todos os casos de dupla grafia, esclarecerão, tanto quanto possível, sobre o alcance geográfico e social desta oscilação de pronúncia», deixa-se a resolução do problema para outros decisores, nomeadamente os lexicógrafos de Portugal e do Brasil. Ora, no «Plano de Ação de Brasília para a Promoção, a Difusão e a Projeção da Língua Portuguesa», da responsabilidade do Conselho de Ministros da CPLP, lê-se o seguinte: «Nos pontos em que o Acordo admite grafias facultativas, é recomendável que a opção por uma delas, a ser feita pelos órgãos nacionais competentes, siga a tradição ortográfica vigente em cada Estado Membro, a qual deve ser reconhecida e considerada válida em todos os contextos de utilização da língua, em particular nos sistemas educativos.» Esta declaração vem confirmar a existência de várias grafias nos diferentes países e atribuir essa responsabilidade às entidades oficiais.
A facultatividade também está presente nos casos de dupla acentuação em palavras esdrúxulas (Base XI, 3.º) e em algumas graves, geralmente terminadas em n, r, s ou x, com e e o tónicos, seguidos das consoantes nasais m ou n, com as quais não formam sílaba (Base IX, 2.º, Obs.), servindo de exemplo os vocábulos gémeo ou gêmeo, tónico ou tônico, ténis ou tênis, pónei ou pônei. Em Portugal e nos países africanos, escrevem-se com acento agudo porque o seu timbre é aberto, mas no Brasil escrevem-se com acento circunflexo porque o timbre é fechado. Como o timbre da vogal também é fechado em alguns casos da norma europeia, sente-se a necessidade de explicitar palavras como estômago, fêmea ou sêmola. Há ainda muitos outros vocábulos que apresentavam grafias diferentes nas duas normas oficiais assumidas até agora, como cupão ou cupom, edredão ou edredom, ião ou íon, mação ou maçom, protão ou próton, entre outros – seria útil estudá-los e tratá-los de maneira uniforme.
O critério norteador das novas normas ortográficas na demanda de um padrão ortográfico único é designado pelos redatores do Acordo Ortográfico como «critério fonético (ou da pronúncia)» na Nota Explicativa n.º 3. Este princípio fonético, muitas vezes criticado como um critério de fraco valor científico, pode simplificar a ortografia e reduzir o número de divergências entre as práticas ortográficas portuguesa e brasileira. No entanto, o mesmo princípio é sustentado pela «pronúncia culta», que, além de ser difícil de definir, levanta outro tipo de problemas, uma vez que um mesmo vocábulo pode ser pronunciado de modo diferente, dependendo do contexto sociolinguístico, e não cabe à ortografia representar pronúncias regionais, socioletais ou individuais.
Surgem também imensas dificuldades no que concerne ao léxico técnico e científico, por se tratar, na maioria dos casos, de palavras pouco correntes, cuja informação lexical (transcrição fonética ou ortoépia) é muito escassa. Não se poderia manter, como grafia de uso universal, a forma conservadora (com as consoantes etimológicas), dado tratar-se de vocabulário pouco corrente e raramente usado pela maioria das pessoas? E que dizer dos casos em que este critério fonético gera formas gráficas diferentes das duas normas, quando anteriormente só havia uma grafia, como em recepção, agora receção na norma europeia e recepção na norma brasileira?
Refiro, agora, certos pontos omissos.
O novo acordo ortográfico é omisso relativamente à alternância húmido/úmido, pelo que a tradição ortográfica será mantida. O vocábulo húmido continua a ser escrito com h inicial na variedade europeia do português, enquanto a grafia adotada na variante brasileira é úmido. O uso das duas formas é justificado por razões de natureza etimológica, uma vez que deriva do adjetivo latino humidus, que possui também a variante latina umidus; no entanto, o Acordo é omisso quanto a este ponto.
Nas palavras formadas por composição ou derivação em que o segundo elemento começa por h, este é mantido quando as palavras se ligam através de hífen (cf. Base II, 3.º e Base XVI, 1.º, a). À primeira vista, esta regra parece não representar qualquer problema, mas vão surgindo dúvidas: dia-hopano ou diaopano? per-hidrogenado ou peridrogenado? Segundo a Academia Brasileira de Letras, que foi a única entidade que até ao momento se pronunciou sobre este ponto: «Quando não houve perda do som da vogal final do primeiro elemento, e o elemento seguinte começa por h, podem ser usadas duas formas gráficas distintas, como bi-hebdomadário e biebdomadário, zoo-hematina e zooematina.» Para este último caso, seguiremos a recomendação da Academia Brasileira de Letras. Afinal, há tradição de alguns destes e de outros compostos terem dupla representação gráfica.
O Acordo Ortográfico de 1990 não faz referência a palavras formadas com o elemento não-. Tenho mantido o hífen neste caso por assumir que o elemento possui uma função prefixal quando se une a bases substantivas, adjetivas ou verbais com o objetivo de lhes negar o sentido, constituindo uma unidade de sentido. A Academia Brasileira de Letras assume uma posição diferente: vd. Nota Explicativa: «15) Excluir o emprego do hífen nos casos em que as palavras não e quase funcionam como prefixos: não agressão, não fumante, quase delito, quase irmão.» Embora o prefixo não- não seja reconhecido por muitos gramáticos como prefixo, mantivemos o hífen, uma vez que se une a bases substantivas, adjetivas ou verbais com o objetivo de lhes negar o sentido. Contudo, também o Vocabulário Ortográfico do Português (VOP), do Instituto de Linguística Teórica e Computacional (ILTEC), considerado pelas instâncias competentes como vocabulário oficial, corrobora que as palavras «constituídas pelos advérbios não ou quase e outra palavra» deixam de ser hifenizadas.
Quando o primeiro elemento termina em b- (ab-, ob-, sob-, sub-) e em -d (ad-), e o segundo elemento começa por r, deveremos manter o hífen? Tudo indica que sim. Para se manter a pronúncia [R] do segundo elemento, o hífen é necessário (ex. ab-reação, ob-rogar, sob-rogar, sub-região; ad-renal, ad-rogação). Os argumentos a favor têm por base a pronúncia e a translineação destes vocábulos.
O tema não se esgota aqui e muito mais há a acrescentar. Este contributo deve ser encarado tão-somente como ponto de partida para uma reflexão conjunta de estudiosos e investigadores. Sirva a presente comunicação para animar todos os interessados na elaboração de uma proposta de revisão que vise aperfeiçoar o novo Acordo Ortográfico e estabelecer novos critérios orientadores mais uniformes, quanto antes.
Na verdade, os pontos que merecem inteiramente a nossa reflexão e uma profunda investigação para futuros esclarecimentos são casos que nada têm que ver com as mudanças ortográficas implicadas na nova reforma ortográfica, mas antes com pontos que carecem de análise para uma verdadeira e integral reforma ortográfica.
Comunicação da autora proferida no colóquio Ortografia e Bom Senso, realizado na Academia das Ciências de Lisboa, no dia 10 de novembro de 2015.