«[...] Não é um trabalho científico, mas um exemplário daquilo que está sedimentado em diversos trabalhos acadêmicos de gramática comparativa [...].»
Dos milhares de fatos linguísticos IGUAIS entre as duas variedades da língua portuguesa, abaixo estão as 25 marcas distintivas morfossintáticas mais evidentes entre a norma FALADA do português brasileiro (PB) e a do português europeu (PE), contemplando-se os registros formal e informal. Note que, até em algumas das diferenças mais marcantes, as variedades às vezes se assemelham.
1. PB Estou chegando; Ele anda lendo muito.
PE Estou a chegar; Ele anda a ler muito.
Obs.: Em certas variedades do Sul de Portugal e dos arquipélagos da Madeira e dos Açores, usa-se estar + gerúndio.
2. PB Os nossos amigos; os nosso amigo.
PE Os nossos amigos.
3. PB Eu falo; tu falas/fala, você fala; ele fala; a gente fala/falamos, nós falamos/fala; vocês falam/fala; eles falam/fala.
PE Eu falo; tu falas, você fala; ele fala; nós falamos; a gente fala (familiar) ("a gente falamos" ocorre, mas considera-se incorreto); vós falais, vocês falam; eles falam.
Obs.: Quanto ao vós, no PE, só está vivo sobretudo entre falantes do interior norte e centro-norte, a par do uso de vocês. No PE também se usa como forma de tratamento o próprio nome da pessoa ou um substantivo descritivo: «A Maria vai vir para o almoço?» ou «O doutor atende às 10h?» (no PB, seria «Você vai vir para o almoço?», «O senhor atende às 10h?»).
4. PB Nós moramos em Portugal há muitos anos.
PE Moramos no Brasil há muitos anos.
Obs.: É mais comum em PE a omissão do pronome com função de sujeito, mas não é impossível o uso de nós nesse caso; já no PB, é mais comum a presença do pronome na posição de sujeito.
5. PB O teu livro, eu só comprei ele ontem; O teu livro, eu só o comprei ontem; O teu livro, eu só comprei ontem.
PE O teu livro, só o comprei ontem; O teu livro, só comprei ontem.
6. PB João lhe viu no clube; João te viu no clube; João viu você no clube.
PE João viu-o no clube; viu-te no clube.
7. PB Me passe o sal.
PE Passe-me o sal.
8. PB Ele vai nos convidar.
PE Ele vai-nos convidar.
Obs.: Há outras possibilidades de colocação na norma-padrão do PB — «Ele nos vai convidar» (menos comum) — e do PE — e «Ele vai convidar-nos».
9. PB A Inês não tinha nos ajudado.
PE A Inês não nos tinha ajudado.
Obs.: Há outra possibilidade de colocação na norma-padrão do PB: «A Inês não nos tinha ajudado.»
10. PB Tenho um bilhão na conta.
PE Tenho mil milhões na conta.
11. PB Teu avô; o teu avô.
PE O teu avô.
Obs.: Somente em circunstâncias bem específicas se omite, no PE, o artigo diante do possessivo.
12. PB Tem gente importante aqui.
PE Há gente importante aqui.
13. PB Eu gostaria de ver um filme.
PE Eu gostava de ver um filme.
Obs.: No PE, até se usa gostaria em contextos assim, mas é bem menos frequente.
14. PB Toda casa aqui será vendida.
PE Toda a casa aqui será vendida.
15. PB Português é hospitaleiro; O português é hospitaleiro; Os portugueses são hospitaleiros.
PE O português é hospitaleiro; Os portugueses são hospitaleiros.
16. PB O lanche de vocês está pronto.
PE O vosso lanche está pronto.
17. PB O filme deixou todo (o) mundo acordado.
PE O filme deixou toda a gente acordada.
18. PB Aquele carro azul é menor que o preto.
PE Aquele carro azul é mais pequeno que o preto.
19. PB O que ela pensa de mim?
PE O que pensa ela de mim?
20. PB Apesar da vitória ser nossa, foi sofrida; Apesar de a vitória ser nossa, foi sofrida.
PE Apesar de a vitória ser nossa, foi sofrida.
21. PB Finalmente assistimos o filme; Finalmente assistimos ao filme.
PE Finalmente assistimos ao filme.
22. PB Ele custou a entender a questão.
PE Custou-lhe (a) entender a questão.
23. PB Toda ação implica em uma reação; Toda ação implica uma reação.
PE Toda a ação implica uma reação.
24. PB O patrão finalmente pagou/perdoou o empregado; O patrão finalmente pagou/perdoou ao empregado.
PE O patrão finalmente pagou/perdoou ao empregado.
25. PB O candidato visava um alto cargo; O candidato visava a um alto cargo.
PE O candidato visava a um alto cargo.
PB O uso dos porquês
POR QUE (locução adverbial [interrogativa] de causa, preposição + pronome interrogativo ou preposição + pronome relativo)
Quando equivale a «por qual razão/motivo», «a razão/o motivo pelo qual», «por qual» ou «pelo(a/s) qual(is)».
– Por que o livro fez sucesso?
– Não sei por que o livro fez sucesso.
– Eu sei por que motivo o livro fez sucesso.
– A razão por que o livro fez sucesso é óbvia.
PORQUE (conjunção)
Quando tem sentido explicativo/causal (equivalente a pois ou «visto que») ou final (equivalente a «para que»; é um caso raríssimo)
– Eu comprei o livro só porque me indicaram.
– Porque comprei o livro, a livraria me deu um brinde.
— Ore, porque não entre em tentação.
POR QUÊ (locução adverbial de causa)
Quando vem imediatamente sucedido de pausa marcada por sinal de pontuação.
– Agora entendo por quê; você comprou o livro por estar na promoção.
Obs.: Quando há uma intercalação marcada por vírgula, não se usa «por quê», e sim «por que»: «Não sei por que, apesar de tudo, ela foi embora.»
PORQUÊ (substantivo)
Quando vem normalmente acompanhado de determinante e equivale a «motivo».
– Finalmente compreendo o seu porquê de ter comprado o livro assim que foi lançado.
PE O uso dos porquês
POR QUE (preposição + pronome relativo; preposição + pronome interrogativo adjunto; preposição + pronome interrogativo)
– A razão por que o livro fez sucesso é óbvia.
– Eu sei por que motivo o livro fez sucesso.
– Por que vieste aqui?
PORQUE (conjunção causal ou final; advérbio interrogativo)
— Não saí, porque estava sem dinheiro.
— Orai, porque não entreis em tentação. (raro)
— Porque vieste tu agora?
— Perguntaram porque não vieste.
PORQUÊ (advérbio interrogativo, sucedido de pontuação; ou substantivo)
— Estás chateado, porquê?
— Agora sei o porquê das discussões.
Texto da toria do gramático brasileiro Fernando Pestana, transcrito, com a devida vénia, do mural do autor no Facebook (24/03/2025).