As frases que indica representam as duas normas da língua portuguesa. A do português europeu (PE) e a do português do Brasil (PB). Imagino, pelo estilo, que a sua aprendizagem inicial tenha sido feita em PB e que esteja neste momento um pouco confusa ao ser submetida a uma outra norma em que há algumas diferenças, que, sendo quase insignificantes, podem prejudicar a sua avaliação. As frases que apresenta correspondem a duas características em que as duas normas divergem. Colocação dos pronomes pessoais átonos, ou clíticos, e uso do artigo definido.
Das frases que apresenta, pertencem ao PE:
A – Colocação do pronome átono
(1) A recusa do João em se deixar desviar dos seus planos ficou evidente...
(2) O perigo de se fumar reside....
(3) Sem se deixar abalar, seguiu em frente...
(4) Mas ele, sem se deixar abater....
(5) Embora seja estudiosa, a ajuda do Ciberdúvidas dá-me condições de aperfeiçoar o uso da língua.
Aspectos prévios:
Para além da colocação dos clíticos, há dois aspectos a ter em conta. O primeiro prende-se com a frase a que atribuí o n.º (1) e relaciona-se com a regência da palavra recusa; o segundo com a frase (5) e prende-se com o sentido da oração concessiva.
Regência de recusa
A palavra recusa, quando seguida de preposição, pode preceder a preposição em, se a seguir estiver um verbo no infinitivo, e a preposição de, se na sequência vier um grupo nominal. Por isso mudei a preposição quando repeti a frase.
Sentido da oração concessiva
O sentido básico, ou essencial, se quiser, que uma oração concessiva veicula é o de oposição. O que é dito na oração subordinada opõe-se, de algum modo, ao que é dito na oração subordinante e gora, assim, as expectativas do receptor. Ora, a oração subordinante da frase complexa (5) «a ajuda do Ciberdúvidas dá-me condições de aperfeiçoar o uso da língua» dá a entender ao ouvinte, ou leitor, que o autor da frase, emissor, é estudioso, trabalhador e interessado na língua portuguesa (esta última parte só poderá ser compreendida por quem souber que o Ciberdúvidas é um sítio sobre língua portuguesa…). Vendo bem, a subordinada «Embora seja estudiosa» já está subentendida na subordinante, pelo que não é uma oposição, mas sim uma confirmação ou uma explicação. Por essa razão, a frase não é correcta em termos de sentido, e em vez de embora deveria ter escrito como, com valor causal ou explicativo: Como sou estudiosa, a ajuda do Ciberdúvidas dá-me condições de aperfeiçoar o uso da língua.
Colocação dos pronomes pessoais átonos
Ultrapassados os dois aspectos marginais à sua questão, analisemos a colocação dos pronomes nas várias frases.
Segundo a regra geral da colocação dos pronomes átonos em português europeu, o pronome vem depois do verbo, ligado a este por um hífen. É o que se verifica na frase (5). Há, no entanto, um conjunto de situações que atraem o pronome para uma posição anterior ao verbo:
I – a existência, anterior à posição do verbo,
1 – de determinados advérbios: não, bem, mal, já, sempre, só, sem, talvez, também, etc. É o que acontece nas frases (3) e (4);
2 – do numeral ambos;
3 – de alguns pronomes indefinidos: todo, tudo, alguém, outro, qualquer, etc.;
II – nas orações coordenadas introduzidas por ou, quando a conjunção se repete: «Ou fazes o trabalho ou te retiras».
III – quando o verbo a que o pronome se associa é o predicado de uma oração subordinada. É o que acontece nas frases (1) e (2), ambas orações subordinadas infinitivas.
Para aprofundar o estudo desta situação deverá consultar a Nova Gramática do Português Contemporâneo, de Celso Cunha e Lindley Cintra, Lisboa, Edições Sá da Costa, páginas 310 e seguintes.
B – Uso do artigo definido, o, a, os, as
As frases que correspondem ao PE são:
(6) Tu nunca viste nada igual, tenho a certeza disso.
(7) Tenho a certeza de que vais gostar de ler sobre isso.
Em PE utiliza-se muito mais o artigo definido do que no Brasil. Embora não seja fácil enumerar as diferenças, há dois aspectos em que elas são mais evidentes:
1 – antes do pronome possessivo: «O meu pai vem hoje»;
2 – com nome de pessoas, a menos que se trate de figuras públicas: «O João saiu».
Para além destes dois aspectos, verifica-se uma maior tendência no PB para não colocar o artigo com nomes comuns, como é o caso dos dois exemplos que indica. A aprendizagem destas diferenças está longe de ser fácil, pois no PE também se verifica, em muitos casos, a omissão do artigo. Diz-se «Tenho a certeza», mas diz-se também «tenho fruta», ou «tenho fome». Para conseguir resolver as suas dúvidas, tem dois caminhos, que se complementam: por um lado, consultar um dicionário editado em PE que contenha abonações. Aconselho-lhe o manuseio do Dicionário da Academia e do Houaiss, na versão PE; por outro lado, perguntar aos portugueses como dizem determinadas frases. E, claro!, pode sempre contar com o Ciberdúvidas!