Em declarações à agência de notícias Lusa, o coordenador do Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, João Malaca Casteleiro, acusou as autoridades portuguesas de entravarem o Acordo Ortográfico por «um medo estúpido de que o Brasil, através da ortografia, reconquiste os países africanos de língua portuguesa e os leve para o seu lado, o que é completamente descabido e mau para a língua portuguesa». Transcrição integral destas declarações, a seguir.
Bragança, 03 Out (Lusa) Um dos mais conceituados linguistas portugueses, Malaca Casteleiro, acusou hoje Portugal de estar a entravar o acordo ortográfico com os países lusófonos por um «medo estúpido» do domínio do Brasil.
O linguista, que tem participado nas tentativas de acordo da unificação ortográfica nos países de língua oficial portuguesa, fala mesmo num «cisma» entre Portugal e Brasil que «se arrasta há mais de um século e que prejudica a difusão da língua portuguesa».
«É maior do que a guerra dos cem anos», ironizou, à margem do VI Congresso da Lusofonia, que começou hoje em Bragança, e que tem como tema central o acordo ortográfico e a variante brasileira da língua portuguesa.
Segundo o linguista português, o Brasil - o maior falante da língua portuguesa - «tem muita vontade de implementar o acordo e Portugal não diz nada».
«Eu creio que há aqui um medo estúpido de que o Brasil, através da ortografia, reconquiste os países africanos de língua portuguesa e os leve para o seu lado, o que é completamente descabido e mau para a língua portuguesa», afirmou.
Malaca Casteleiro entende que Portugal está a desperdiçar um potencial de quase duzentos milhões de falantes para a difusão da língua portuguesa no mundo, através de um país que, além do elevado número de habitantes, «tem uma literatura potentíssima, é um potentado económico e tem uma capacidade de difusão cultural magnífica».
Em vez do «receio deste domínio», o linguista entende que Portugal devia aproveitar esta potencialidade e implementar, de uma vez por todas, um projecto de que há muito se fala no seio da CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa).
O projecto, de acordo com Malaca Casteleiro, consiste no intercâmbio de alunos e professores, conferências e outras iniciativas culturais, um programa algo semelhante ao europeu Erasmus, mas que ainda não foi avante por «falta de recursos financeiros».
Malaca Casteleiro lembrou que Portugal ainda não ratificou a mais recente decisão sobre a escrita comum da língua, que permitiria a entrada em vigor do acordo ortográfico com apenas a ratificação de três países.
Apenas o Brasil, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe ratificaram essa norma.
O impasse mantém-se e arrastou-se por todo o século XX, conforme recordou o linguista, lembrando que desde a reforma ortográfica da implantação da República, em 1911 que Portugal e Brasil tentam um acordo.
Depois de várias tentativas em 1931, 1943, 1945, 1973 e 1986 para a convenção ortográfica luso-brasileira, em 1990 foi negociado e aprovado por todos os países de língua portuguesa, a nível político, um acordo que só foi ratificado pelos respectivos parlamentos de Portugal, Brasil e Cabo Verde.
Ler também: Portugal teme acordo ortográfico, diz lingüista luso
in "Lusa", 3 de Outubro de 2007