Há de facto razões para duvidar que a atestação mais antiga de lusitano provenha de Os Lusíadas, pois, consultando a secção histórica do Corpus do Português, detetam-se ocorrências em obras publicadas antes de 1572, ano de publicação do poema de Camões:
(1) «E mais eu tenho cuidado/ deste reino lusitano [...]» (Gil Vicente, Cortes de Júpiter, 1521, muito embora a Compilaçam de Todalas Obras date de 1562)
(2) «E daqui procedeu um embaixador deste reino de Abassia, que veo a este Portugal, dizer ao nosso lusitano Damião de Góis, quando escreveu da religião e costumes desta gente, que em sua linguagem Bebule e Encoe queria dizer Precioso Joane [...].» (João de Barros, Década Terceira, Livro Quarto, 1563)
Contudo, atendendo aos estudos de Fernando Venâncio sobre o contributo lexical castelhano para o português, é até provável que a palavra já circulasse antes do século XVI nas línguas hispânicas, ou seja, no castelhano, no sistema galego-português e até no aragonês. Com efeito, lusitano encontra-se abonado, por exemplo, num texto aragonês de finais do século XV, como evidencia uma consulta do Corpus del Diccionario histórico de la lengua española (versão 3.1; ):
(3) «otros hauedes subiugado & transportado los pueblos lusitanos &Jllurgitanos conquistados iustamentpor los [...]» (Juan Fernández de Heredia, Grant Historia de Espanya)
Lusitano também figura numa obra castelhana quatrocentista:
(4) «Reinando este rey don Juan en el reino de Navarra, levantáronse grandes vandos en el dicho reino, conviene a saver, entre los lusitanos e agramonteses, seyendo el Condestable de Nabarra e mosén Juan de Viamont, su hermano [...]» (Lope García de Salazar, Libro de las bienandanzas e fortunas, 1471-1476)
No exemplo (3), lusitano ainda não é sinónimo de português. Em (4), não foi aqui possível apurar se se trata de facto de portugueses envolvidos na Guerra Civil de Navarra (1451-1464), conforme o relato de Lope García de Salazar.
Mas nos finais do século XV, lusitano já figura noutra obra, em castelhano, claramente com o mesmo significado que português:
(5) «Yfuemos por postas, en fin, hasta Choza/ y luego, de dende, por agua a Veneçia, / la qual lastimada está por la Espeçia / qu'el rey lusitano en poniente goza» (Juan del Encina, Cancionero, 1496)
Em (5), a palavra lusitano significa «português» e prova que o termo já circulava em castelhano; pode até especular-se e supor, portanto, que o mesmo acontecia noutras línguas hispânicas, incluindo o português, sendo talvez difícil saber exatamente em que língua começou este uso, dada a proximidade das línguas em apreço.
Não obstante, tendo em conta que a corte portuguesa foi bilingue a partir de finais do século XV, não é de admirar que o castelhano, se não o transmitiu, pelo menos, tenha dado força à apropriação do termo como gentílico literário relativo a Portugal.