« (...) No contexto da organização dos Estados, há sempre dois aspectos a considerar: uma justificação ideológica que provém de uma teoria de Estado, através da qual se exige a unidade linguística em prol da unidade nacional e do Estado; e uma justificação de ordem prática, que resulta da necessidade de simplificar, através da utilização de um mesmo idioma, o exercício de um mesmo paradigma de administração, que seja comum a todo um Estado.(...)»
Ultimamente, procura integrar membros da sociedade civil na discussão de temas que fazem parte do seu plano estratégico, reforçando assim as relações de amizade, de afectividade e de consanguinidade entre os povos dos países membros da CPLP.
Amartya Sen, ex-membro da presidência do Banco Mundial, galardoado com o Prémio Nobel de Economia em 1998, no seu livro «Desenvolvimento com Liberdade», a propósito da necessidade de parcerias entre o Estado e a Sociedade Civil, afirma que, associado ao conceito de desenvolvimento, está implícita a existência de um Estado de Direito democrático com ampla participação da sociedade civil. Esta, ao ser envolvida de forma organizada na construção do seu próprio futuro, deixa de se apresentar como mera e passiva beneficiária de programas de desenvolvimento e passa a contribuir para o estabelecimento de «papéis de sustentação e não de entrega sob encomenda». Coincidentemente, a Declaração da Praia, em 1998, saída da II Conferência dos chefes de Estado e de Governo da CPLP, registou «com satisfação a adesão ampla da sociedade civil dos países-membros, reflectida nas iniciativas de sectores como empresários, sindicatos, organizações de mulheres, profissionais da área jurídica, escritores e outras personalidades da cultura, juventude, cooperativas e outros.»
Por outro lado, a maior ou menor divulgação de um idioma decorre de factores de ordem histórico-cultural, político-ideológica e socioeconómica. De um modo geral, todos os povos que, em um determinado momento da sua história empreenderam uma expansão para além das suas fronteiras, levaram consigo a sua língua e, na maioria das vezes, a mesma acabou por se impor nos locais onde esses povos se fixaram. Assim ocorreu na Europa com o latim devido à expansão dos romanos.
Apesar das bolsas populacionais de resistência às novas influências culturais e linguísticas por parte de algumas populações sujeitas à ocupação, a maioria, mais tarde, considerou útil a aprendizagem do latim, dando, inicialmente, origem a várias gerações bilingues, que, em períodos posteriores, acabaram por esquecer a sua antiga língua e passaram a usar exclusivamente e por iniciativa própria o novo idioma.
De certa maneira, também os países saídos da colonização, após as suas autonomizações políticas, acabaram por adoptar políticas linguísticas exoglóticas (uso da língua de origem europeia como única língua oficial e de escolaridade) ou mixoglóticas (uso de língua de origem europeia em cooperação com outras línguas de convívio). No contexto da organização dos Estados, há sempre dois aspectos a considerar: uma justificação ideológica que provém de uma teoria de Estado, através da qual se exige a unidade linguística em prol da unidade nacional e do Estado; e uma justificação de ordem prática, que resulta da necessidade de simplificar, através da utilização de um mesmo idioma, o exercício de um mesmo paradigma de administração, que seja comum a todo um Estado.
Do ponto de vista educacional, a universalização de um ensino primário de qualidade e os processos de luta contra a iliteracia concorrem, em países de língua oficial portuguesa, para uma maior promoção e difusão deste idioma, mesmo que, para tal, se tenha de estabelecer uma cooperação estratégica entre o português e as línguas autóctones, tal como ocorre em outros países de ex-colonização inglesa e francesa. Isto, porque uma maior promoção e difusão da Língua Portuguesa, em África, em Timor-Leste e junto de populações ameríndias do Brasil passa, necessariamente, pelo reconhecimento da existência de outras culturas e outras línguas de convívio.
O respeito pela diversidade cultural isenta de preocupações hegemónicas é a corrente doutrinária onde se situa o pluralismo cultural, que defende um modelo de relacionamento social no qual cada grupo étnico preserve as respectivas origens, partilhando, no entanto, em simultâneo, um conjunto de características culturais, linguísticas e institucionais com os restantes grupos.
É com este respeito pela diversidade cultural e pelo direito de cada cidadão viver e ser educado de acordo com a sua própria cultura que vejo o caminho para uma maior promoção e difusão da língua portuguesa, enquanto património exclusivo de quem a usa e não de qualquer país, independentemente da sua origem ou número de locutores. Um direito plasmado na Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 10 de Dezembro de 1948 e, mais recentemente, na Declaração sobre Educação para Todos de Jomtien (1990), na Declaração Universal dos Direitos Linguísticos de Barcelona (1996) e no Fórum sobre Educação para Todos de Dakar (2000).
Artigo do autor, transcrito do Jornal de Angola do dia 23 de setembro de 2021. Texto escrito segundo a norma ortográfica de 1945.