Há verbos suaves e discretos, há verbos duros e ruidosos e… há verbos que surpreendem pelos seus usos inesperados e reiterados. Um deles é o verbo arrasar, muito presente em títulos e textos da comunicação social.
Quando se afirma que «Uma obra quase arrasou o mais antigo forno romano do Algarve»1, facilmente identificamos a mobilização do significado “destruir”, o mesmo acontece em «Mau tempo arrasou lavoura»1 ou «Granizo arrasou quase toda a colheita de maçã»1.
Este verbo permite que o seu significado se estenda de um âmbito material até um domínio mais psicológico, como se verifica na frase «Só que Luis Suárez haveria de entrar em cena […] com um bis que arrasou os italianos.» 1 Neste caso, arrasar fica próximo de “abater moralmente”.
Porém, este verbo assume significados de contornos algo belicistas, que o transformam numa palavra cravada de puas que descreve a realidade com um filtro feito de hostilidade. Estas nuances “militaristas” ficam bem claras em frases que descrevem ações humanas no âmbito da invalidação argumentativa, como «a juíza Ketanji Brown Jackson arrasou o argumento principal da Casa Branca»1, ou da punição moral, como em «A relação arrasou o juiz»1.
O recurso ao verbo arrasar permite a criação de títulos e notícias bombásticos e belicosos que passam uma imagem de uma sociedade em estado de sítio, povoada por confrontos físicos ou psicológicos, o que não corresponderá à realidade (felizmente!).
Mas, a verdade é que em caixa alta se “arrasam” pessoas, clubes de futebol, partidos políticos, opções orçamentais, países e até telespectadores ou leitores ficam “arrasados”. É a namorada de um “famoso” que arrasa numa festa, ou alguém que arrasa com a sua atitude ou com a sua roupa. Neste contexto, arrasar já nem é belicoso, é simplesmente uma forma delicodoce de indicar que alguém “sobressaiu” ou se “distinguiu”.
O verbo arrasar parece, afinal, uma opção fácil que busca algum sensacionalismo pelo toque negativo que arrasta e pela atenção que convoca, mas esta opção linguística não deixa de indicar que a pobreza lexical vai grassando e que a diversificação vocabular vai deixando de ser um princípio basilar da escrita. Opções que nos arrasam!
1. Títulos ou frases de notícias do jornal Público.