O uso e o abuso de termos em inglês em registo de puro pedantismo social – que não só nalguns estratos mais urbanos da sociedade brasileira – na ironia, sempre fina, do autor, na sua coluna semanal do jornal O Globo, de 21 de maio de 2015.
Triste o país que tem vergonha da própria língua.
Fico pensando num corretor de imóveis tendo que mostrar, para compradores em potencial, um apartamento no edifício Golden Tower, ou similar, em algum lugar do Brasil.
— Isto é o que nos chamamos de entrance.
— Entrance?
— Ou frontdoor. Porta da frente.
— Ah.
— Aqui temos o livingroom e o diningroom conjugados. Ou conjugated. Por aqui, a gourmet kitchen.
— Kitchen é...?
— Cozinha, mas nós não gostamos do termo. Isto aqui é interessante: é o que chamamos de coffeecorner, onde a família pode tomar seu breakfast de manhã. A gourmet kitchen vem com todos os appliances, e o prédio tem uma smartlaundry comunitária.
— O que é smartlaundry?
— Não tenho a menor ideia, mas é o que está escrito no flyer. E passamos para o corridor que leva ao master bedroom, ou suíte, em português. As camas podem ser king size ou queen size. Aqui temos o closet, que em português também é closet. E aqui temos esta giant window que dá para o garden do prédio, e o playground. Você tem kids?
— O quê?
— Kids. Crianças.
— Ah. Não.
— O garden também tem uma green walk, que é uma trilha para passear entre as trees and tropical plants, e um infinity pool que é uma piscina que parece que está sempre transbordando, ou transbording. Além disso, claro, existe um indoor pool, que faz parte do fitness center. Ah, e se comprarem o apartamento vocês automaticamente passam a fazer parte do party club, onde tem um barbecuepit.
— Barbecuepit?
— Churrasqueira. E podem usar o working hub, que eu também não sei o que é, mas com esse nome só pode ser coisa fina.
— E a segurança...?
— Garantida dia e noite, ou twenty-four/seven.
— Porteiro?
— Sim, mas não chamamos de porteiro. Ele é um hall concierge.
— Tudo ótimo, mas não sei se vamos comprar o apartamento.
— Por que não?
— Ter que mostrar o passaporte, sempre, para entrar em casa... Sei não.
crónica publicada no jornal “O Globo", de 21 de maio de 2015