« (...) Tudo vai passar pela expressão generalizada do bilinguismo: a língua materna e um segundo idioma. E, para este, o inglês tomou definitivamente a dianteira, enquanto a língua mais universal e “neutra”, na falta de um qualquer esperanto que fracassou. (...)»
A União Europeia tem 24 línguas oficiais e de trabalho: 5 românicas (português, francês, espanhol, italiano e romeno), 5 germânicas (inglês, alemão, neerlandês, sueco e dinamarquês), 8 eslavas (polaco, checo, eslovaco, búlgaro, lituano, letão, croata e esloveno), 3 fino-úgricas (húngaro, finlandês e estoniano), 1 céltica (gaélico irlandês), a helénica (grego) e uma semita próxima do árabe, mas escrita em caracteres latinos (maltês).
Se a estes 24 idiomas oficiais juntarmos outras expressões com algum peso histórico, étnico, político ou regional, a “torre de Babel” ainda mais se complica. Citando apenas algumas das mais conhecidas: catalão e galês (consideradas línguas co-oficiais), corso, sardo, bretão, gaélico escocês, basco, luxemburguês, albanês, língua cigana (romani).
Consumado o Brexit, só quatro línguas se repetirão: o alemão (Alemanha e Áustria), o francês (França, Bélgica na Valónia e Luxemburgo), o neerlandês (Holanda e Bélgica na Flandres) e o grego (Grécia e Chipre).
Com a saída do Reino Unido, o inglês – a língua franca da globalização – fica numa posição política algo estranha. Só a Irlanda, e vá lá, Malta, o terão como idioma oficial, ainda que a par do gaélico e do maltês. Como se irá acomodar esta questão, sabendo-se que, nos dias de hoje, a língua que faz a ponte entre os diferentes e múltiplos idiomas continuará a ser o inglês?
Por curiosidade, em termos populacionais o “pódio linguístico” da União passará a ser o seguinte: em 1.º lugar, o alemão (90 milhões de pessoas), em 2.º lugar, o francês (72 milhões) e em 3.º lugar, o italiano (61 milhões). O inglês representado apenas (e parcialmente) pela Irlanda e Malta surge em 18.º lugar (4,5 milhões).
Segundo o sitio da União Europeia, há nos serviços da Comissão cerca de 1750 linguistas e 600 membros de pessoal de apoio, 600 intérpretes a tempo inteiro e 3000 intérpretes externos. Feitas as contas, os possíveis arranjos entre as línguas, para efeitos de tradução e de interpretação, são 552!
Lembro-me de, em algumas reuniões em que participei, como no ECOFIN, a diferença de tempo entre a intervenção original e a tradução (às vezes, imperfeita, senão mesmo errada) ser longuíssima e de muito se perder nesse ínterim. Por exemplo, passar de lituano para português ou de finlandês para grego, implica, julgo eu, passar por uma língua intermédia (em geral, o inglês) para, por fim, chegar ao destino dos receptores.
A pluralidade e diversidade linguísticas na União são uma riqueza, ao mesmo tempo que ainda constituem uma barreira para o seu entrosamento, apesar de o inglês – agora francamente minoritário – ser o meio privilegiado de comunicação. Talvez a solução esteja na imagem das faces do poliedro dada pelo Papa Francisco: «A união de todas as parcialidades que, na unidade, mantém a originalidade das parcialidades individuais. Nele (poliedro), nada se dissolve, nada se destrói, nada se domina, tudo se integra».
Por outras palavras, e sobretudo para as gerações mais novas e vindouras, tudo vai passar pela expressão generalizada do bilinguismo: a língua materna e um segundo idioma. E, para este, o inglês tomou definitivamente a dianteira, enquanto a língua mais universal e “neutra”, na falta de um qualquer esperanto que fracassou.
Termino citando um texto publicado no "Público" no passado dia 1 de Julho e intitulado “As línguas na Europa: o que mudará com o Brexit: «Nesta área o que faz falta à Europa é uma abordagem de política linguística que vá além da opção “por defeito” da simples submissão à hegemonia e ao domínio do inglês». Esta abordagem do multilinguismo só pode nascer de um debate aberto e democrático sobre o nosso futuro linguístico enquanto europeus.
"Público" de 6 de julho de 2016