1. No decurso da campanha para as eleições legislativas que, em Portugal, estão marcadas para o dia 4 de outubro p. f., muitos são os políticos, no meio de promessas, palavras de ordem e declarações polémicas, a frisarem a necessidade de clarificar o discurso e as intenções: é preciso «pôr os pontos nos ii», dizem. E que legitimidade tem escrever ii, em vez de is, como plural do nome da letra i? No consultório, uma resposta aborda precisamente os nomes das letras do alfabeto e a sua pluralização. Também regressa outro tema recorrente nestas páginas, o da boa formação das palavras: será correto formar um neologismo como desdiferenciação? E que denominação existirá para o fruto da alcaparreira, planta tão conhecida pelas alcaparras, botões florais com uso culinário? É possível dizer ou escrever «foi-mo» e «foi-to», subentendendo, respetivamente, «foi-me difícil» e «foi-te difícil»? Pombeiro é sinónimo de pombal? Outros tópicos comentados: a grafia de palavras que apresentam o prefixo re-; a origem do apelido (sobrenome) Ideias; o género de GIF, uma sigla referente a um formato de imagem; um antónimo do adjetivo confessional; a concordância do pronome relativo «o qual» com construções como «um dos motivos por...».
2. Dos conteúdos em linha nas demais rubricas, chamamos a atenção para mais uma crónica do jornalista e professor Edno Pimentel, disponibilizada em O Nosso Idioma, sempre à volta dos usos linguísticos de Angola: desta feita, foca-se a irregularidade do verbo dar e da sua flexão no presente do conjuntivo («que eu dê», e não «que eu deia», como também se ouve noutras regiões da lusofonia).
3. Ainda acerca dos plurais e continuando no contexto dos usos linguísticos de Angola, os Mambos da Língua – O tu-cá-tu-lá do português de Angola dedicam o 85.º episódio às regras de concordância do português, diferentes das estabelecidas para as línguas nacionais do país, de origem banta – o que leva, amiúde, à ocorrência de frases como «os carros estão parado», em vez de «os carros estão parados». O 86.º episódio dá a conhecer a história da palavra garimpo, que, das suas origens brasileiras, chegou ao português angolano para formar a expressão «garimpo de água», designação do furo que se faz ilegalmente na rede de distribuição de água. O programa Mambos da Língua... é uma realização da Rádio Nacional de Angola, com a colaboração do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa.
4. Por último, cumpre assinalar neste dia, no ensino básico e secundário de Portugal, o recomeço das aulas, este ano marcado pela plena entrada em vigor das novas diretivas materializadas pelo Programa e pelas Metas Curriculares de Português do Ensino Básico; igualmente passa a vigorar um novo programa na disciplina de língua materna no 10.º ano do ensino secundário, o qual depois abrangerá o 11.º ano no ano letivo de 2016/2017 e o 12.º ano em 2017/2018 (ver calendário de implementação). A professores e alunos, que tanto incentivo dão ao Ciberdúvidas sempre que nos procuram para esclarecimentos sobre gramática, desejamos um excelente ano letivo, repleto de concretizações e experiências enriquecedoras.
1. Se o significado das palavras fosse espelho das coisas e das situações, como seria simples falar da vida. Só que o léxico não é mero repertório de etiquetas: na verdade, cada vocábulo marca também crenças e atitudes características de uma cultura e definidoras de perspetivas que ditam decisões e rumos de ação com inevitável impacto social e político. O consultório ilustra isso mesmo, com uma resposta sobre o uso de refugiado, palavra frequentemente rasurada nas notícias, que a confundem com o termo migrante (ou imigrante), em referência mais anódina aos sírios e iraquianos que fogem à guerra.* Na rubrica Nosso Idioma, o jurista português Miguel Faria de Bastos tece algumas considerações à volta da noção jurídica de refugiado. E, já que se fala de impropriedades do discurso mediático, em contexto político, convém mencionar igualmente outros equívocos detetáveis no que se diz e escreve à volta da campanha para as eleições legislativas que se realizam em Portugal, no dia 4 de outubro p. f. Recordemo-los: o abuso de "plafonamento," em lugar de «teto ou limite (de despesas, de crédito)»; o frente a frente, que ocorre indevidamente hifenizado; a "precaridade", uma deturpação já clássica de precariedade; a má utilização da sigla da coligação Portugal à Frente (PàF, e não "PAF", tal como Banco de Portugal é BdeP, e não "BDP")**.
* Observe-se que a página de Facebook que promove o apoio a estes refugiados mostra um erro: lê-se aí "bemvindos", quando a forma correta é bem-vindos.
** Como observa o Instituto Português da Qualidade, «[e]m regra, não se representam artigos, preposições, conjunções nem advérbios na sigla. As siglas não deverão, em princípio, incluir as iniciais». No entanto, têm ocorrido algumas mutações (ler esta resposta), muitas vezes em consequência da proliferação de siglas e da necessidade de as diferenciar, as quais permitem inserir as iniciais de palavras das referidas classes gramaticais, mas representadas com inicial minúscula.
2. No consultório, espaço ainda para um regionalismo – «ao dependuro» –, que Camilo Castelo Branco não se esqueceu de exibir na vertigem da sua prosa torrencial. Na Montra de Livros, apresentam-se três obras destinadas a quem aprende português ou pretende conhecê-lo bem para o falar e escrever com correção. Temos, portanto:
– no âmbito da aprendizagem do português como língua estrangeira, uma nova versão adaptada para alunos de nível intermédio, da autoria de Ana Sousa Martins, da extraordinária saga que é a Peregrinação de Fernão Mendes Pinto (c. 1510-1583) ;
– no intuito de abrir a gramática a todos, agora com novos casos sujeitos ao crivo do juízo normativo, Sandra Duarte Tavares regressa com 500 Erros mais Comuns da Língua Portuguesa;
– de Sandra Duarte Tavares também, em coautoria com Sara de Almeida Leite, Pares Difíceis da Língua Portuguesa, um dicionário de parónimos que retoma uma tradição da gramática prescritiva que andava esquecida em Portugal.
3. A atividade do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa não se confina a estas páginas e busca constantemente formas de colaboração que se traduzam em iniciativas em prol do esclarecimento e da divulgação de temas da nossa língua comum, onde quer que ela se fale. É o caso de Mambos da Língua – O tu-cá-tu-lá da língua portuguesa, programa produzido pelo Ciberdúvidas para a Rádio Nacional de Angola, que tem novos episódios: o que significa «ter minhocas na cabeça» (83.º episódio)? E qual é o plural de gravidez (84.º episódio)?
Regressamos neste dia, já nas condições referidas anteriormente, ou seja, com uma Abertura semanal, sempre às segundas-feiras, em que damos relevo não só aos conteúdos publicados nestas páginas, mas também à atualidade que diga respeito à língua portuguesa. Não deixaremos de assinalar nos Destaques (na página principal, logo abaixo da Abertura), todas as respostas e os artigos que entrarem em linha ao longo da semana.
1. Com incidência na vida das palavras, temos:
– Nas Notícias, a sinopse de Mambos da Língua – O tu-cá-tu-lá da Língua Portuguesa, um programa que o Ciberdúvidas produz para a Rádio Nacional de Angola, acolhe novas ligações para mais episódios: qual será a origem da palavra minhoca (81.º episódio)? E que quererá dizer a frase «cada cavadela, sua minhoca» (82.º episódio)?
– Na Antologia, a arte da palavra em dois autores clássicos, de novo recordados: o elogio ao idioma português que António Ferreira (1528-1569) incluiu na sua "Carta a Pêro Andrade Caminha" (in Poemas Lusitanos); e, de Francisco Rodrigues Lobo (1580-1622), um conhecido excerto da obra Corte na Aldeia, no qual, depois de encarecidas as qualidades da nossa língua, se criticam quantos, no começo do século XVII, a traziam «mais remendada que capa de pedinte».
– No Nosso Idioma, a propósito da cobertura mediática da campanha eleitoral que decorre em Portugal, um comentário visa enquadrar a flexão e a atual grafia de frente a frente, expressão que denomina um debate entre duas pessoas.
– No consultório, além do esclarecimento de dúvidas a respeito da pronúncia do substantivo período, da grafia da locução «de uma ponta à outra» e da abreviatura de diáconos, focam-se outras questões: as orações consecutivas («gritou tanto que ficou rouco») comportam-se como as outras orações adverbiais? Como se usa o verbo fruir numa frase? E o que vem a ser um anólis?
2. A atualidade política em Portugal – por via das eleições legislativas de 4 de outubro p.f. – trouxe à tona, de novo, o galicismo plafond e dos seus derivados (plafonamento, plafonar, plafonável, etc.). Foi o que se (ou)viu no debate televisivo entre os líderes dos dois maiores partidos políticos, Pedro Passos Coelho (PSD) e António Costa (PS) – justificando-se, por isso, uma chamada de atenção nos Destaques (ver em baixo, na página principal, depois desta Abertura) para uma crónica em arquivo na rubrica Pelourinho. Leva a assinatura do jornalista Wilton Fonseca, com uma nota entretanto acrescentada (e nos demais textos relacionados sobre o mesmo tema), a partir de um comentário transcrito do "Expresso" Diário, da autoria do seu editor executivo, Pedro Santos Guerreiro, a propósito das expressões «plafonamento vertical» e «plafonamento horizontal», utilizadas nesse desse frente a frente televisivo.
3. Já no âmbito da promoção e projeção da língua portuguesa, fica aqui a devida referência:
– em Macau, de 10 a 12 de setembro p.f., ao “Encontro de Pontos de Rede de Ensino de Língua Portuguesa na Ásia”, iniciativa do Instituto Português do Oriente que reúne representantes da rede de Ensino de Português no Estrangeiro em universidades da Coreia do Sul, da Índia, da Indonésia, da República Popular da China, da Tailândia e do Vietname (mais informação aqui);
– às notícias sobre a presença do português em 83 escolas públicas do ensino básico do Uruguai, país que atribui à nossa língua o estatuto de segundo idioma local na faixa do seu território que faz fronteira com o Brasil (sobre a importância do português no Uruguai, ler também as Aberturas de 23/09/2009 e 31/07/2015).
O Ciberdúvidas vai alterar a frequência das suas atualizações a partir de 7 de setembro, limitando-as a uma por semana, sempre às segundas-feiras. Esta mudança decorre do agravamento das consabidas dificuldades que, muitas vezes ameaçando o nosso persistente trabalho de 18 anos, teimam em afetar-nos. Para nossa contrariedade, os constrangimentos repercutem-se desta vez nos recursos mobilizados para a gestão destas páginas. Com as inerentes e acrescidas dificuldades, prosseguiremos até quando for possível este empenho na divulgação, no esclarecimento e no debate de tudo quanto respeita à língua portuguesa, acompanhando quantos, em todo o mundo, desejam conhecê-la bem para melhor falar e escrever.
Nesta data, deixamos, entretanto, três novas perguntas que vêm somar-se ao extenso arquivo – mais de 33 000 respostas – do consultório do Ciberdúvidas:
– na frase «vá, gira!», ocorrem dois imperativos seguidos, ou não?
– com o substantivo interpelação, usa-se a preposição de, ou a?
– está correto dizer-se «pronunciaram-se favoravelmente ao pedido»?
[Refira-se ainda que, a propósito da manifesta hesitação na grafia de frente a frente, na aceção de «debate», por parte dos media em Portugal, atualizámos três respostas em arquivo (aqui, aqui e aqui) com uma nota em que se sublinha que, ao abrigo do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, não se hifeniza essa expressão, quer se use como substantivo («fizeram um frente a frente» ), quer ocorra como locução adverbial («encontraram-se frente a frente»). Acrescente-se que o substantivo ou locução substantiva frente a frente – embora pertença a um tipo de compostos (dia a dia, corpo a corpo) sujeitos a oscilações quanto à sua pluralização (cf. Dicionário Houaiss) – terá a mesma forma no plural, atendendo ao modelo de porta a porta, «contacto pessoal direto, feito de casa em casa» (cf. dicionário da Academia das Ciências de Lisboa), que marca singular e plural («o/os porta a porta»). Tal parece ser a posição do Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, quando classifica frente a frente como «substantivo masculino de dois números» (outras fontes dicionarísticas são omissas sobre a flexão deste item lexical). Também o nosso saudoso consultor F. V. Peixoto da Fonseca considerava que a expressão não pluralizava. Afigura-se, portanto, adequado o emprego de frente a frente sem alteração no plural.]
Também não deixaremos de atualizar todas as demais rubricas, como é o caso dos artigos que vão sendo disponibilizados regularmente nas Controvérsias, no Nosso Idioma ou no Pelourinho. Os conteúdos que, ao longo da semana, entrarem em linha ficarão devidamente assinalados e acessíveis nos Destaques (ver mais abaixo) – enriquecendo o vasto e diversificado arquivo do Ciberdúvidas de cerca, já, de 40 mil textos, no total, de fácil e rápido acesso.
E, semanalmente, continuaremos a informar sobre os novos temas dos programas de rádio produzidos pelo Ciberdúvidas, a saber:
– Mambos da Língua – O tu-cá-tu-lá do português de Angola, programa realizado numa parceria do Ciberdúvidas com a Rádio Nacional de Angola (para aceder aos novos episódios, ver mais abaixo, nos Destaques);
– o programa Língua de Todos, que, na sexta-feira, dia 4 de setembro, às 13h15*, na RDP África (com repetição no dia seguinte, 5 de setembro, depois do noticiário das 9h00*), pergunta à nossa consultora Sandra Duarte Tavares: qual a diferença entre neologismos, estrangeirismos e empréstimos?
– e o Páginas de Português, cuja emissão de domingo, 6 de setembro (às 17h00*, na Antena 2), regressa ao tema do Acordo Ortográfico com uma crónica de Ana Sousa Martins.
Como temos vindo a anunciar, eis-nos de regresso em 1 de setembro, para retomarmos as atualizações regulares destas páginas, sempre no intuito de divulgar, esclarecer e debater os muitos temas relacionados com as normas e os usos que definem o português onde quer que ele se fale e escreva. Neste dia, dando precisamente testemunho dos desafios enfrentados pela nossa língua comum na atualidade, ficam em linha novos artigos e novas respostas, a saber:
– Começando pelo Pelourinho, transcrevemos um texto publicado no jornal Público em 29/06/2015 e da autoria de João André, professor português a trabalhar no Reino Unido, a propósito da expressão «Lisbon South Bay», disparatado anglicismo com o qual pretendem rebatizar, para fins promocionais, uma região da Grande Lisboa, à beira-Tejo – a chamada Margem Sul, também tradicionalmente conhecida como «a Outra Banda».
– No Correio, um consulente queixa-se de dois erros inadmissíveis em programas de televisão: usar incorretamente ponto em vez de vírgula, quando se escrevem números decimais; e a irritante confusão do futuro do conjuntivo com o infinitivo pessoal quanto se usa ter ou os seus derivados (por exemplo, manter).
– Na rubrica Controvérsias, sobre a exclusão do português do sistema de patentes da União Europeia, disponibilizamos mais um artigo do ex-deputado português José Ribeiro e Castro, completando a réplica que este deu à opinião que polemicamente manifestou sobre o assunto o eurodeputado Paulo Rangel, ao resumir a posição de Ribeiro e Castro a uma «bravata serôdia» (texto também em linha aqui).
– Em O Nosso Idioma, uma crónica do professor e jornalista angolano Edno Pimentel centra-se na troca da grafia têm, correspondente à 3.ª pessoa do plural do presente do indicativo do verbo ter, pela forma incorreta "tenhem".
– No consultório, aprende-se a pronunciar um nome que vem do tempo dos faraós, explica-se a razão por que cafezinho não tem acento gráfico e indica-se o plural do adjetivo pró-social.
Durante o presente mês de agosto – período de férias escolares em Portugal –, o Ciberdúvidas fica com toda a sua atividade interrompida, estando de volta no dia 1 de setembro, já com o consultório em pleno funcionamento e as atualizações diárias das demais 12 rubricas que o integram.
Até lá – como sempre, desde há 18 anos –, deixamos disponível a consulta permanente do vasto e diversificado arquivo do Ciberdúvidas, na ordem, já, de 40 mil respostas e outros textos à volta da língua portuguesa em todos os países e regiões que a têm como idioma oficial.
A este propósito, recordamos aqui a forma de mais facilmente se aceder ao que se queira encontrar em linha no Ciberdúvidas. E é muito e variado...
Entretanto, nos Destaques (em baixo), sempre que for caso disso, deixaremos aí assinalados registos de atualidade e de relevância informativa para quantos queiram saber sempre mais sobre a língua portuguesa – a razão de ser deste portal.
Durante todo o mês de agosto, o Ciberdúvidas interrompe por completo a sua atividade, assinalando-se apenas nos Destaques (ver mais abaixo) o que for de registo de atualidade (caso dos programas de rádio Língua de Todos, Páginas de Português e Mambos da Língua) ou algum texto de maior relevância respigado de outras plataformas. Contudo, antes da tradicional pausa de verão, sugerimos ainda uma breve exploração dos curiosos fenómenos que alteram ou distorcem a nossa língua comum. Assim:
– fazemos aqui uma chamada de atenção para um exemplo talvez menos conhecido do contacto do português com o espanhol: trata-se do dialeto falado ao longo da fronteira do Uruguai com o estado brasileiro do Rio Grande do Sul (o chamado «portunhol riverense»), cuja candidatura à classificação de Património Imaterial da Humanidade pela UNESCO foi recentemente anunciada;
– não deixando de lembrar que, no "economês", a palavra tem história antiga, assinalamos o regresso, à ribalta mediática, de um híbrido de plafond, plafonamento, à boleia do texto do programa da coligação PSD-CDS, com vista às próximas eleições legislativas em Portugal (para formas de configuração mais portuguesa, ver outras respostas aqui e aqui, bem como os artigos que abordam o termo no Pelourinho);
– em O Nosso Idioma, um apontamento faz a contextualização do uso do anglicismo cluster no discurso mais ou menos especializado, procurando avaliar algumas formas vernáculas em alternativa ao estereotipado "portinglês" de certas áreas de atividade;
– continuando na mesma rubrica, disponibiliza-se uma reflexão do crítico e professor universitário portguês António Guerreiro sobre a aceitação acrítica da linguagem política por parte dos agentes da comunicação jornalística – como acontece quando a palavra reforma ocorre hoje num sentido completamente contrário ao que lhe foi em tempos atribuído;
– por último, também em O Nosso Idioma, Edno Pimentel alerta para o perigo da generalização de certas regras gramaticais, numa crónica acerca da deturpação de palavras acabadas em -s no singular ("lápi", ""pir", em vez dos corretos lápis e pires, respetivamente), erro recorrente entre alguns falantes de Angola.
Quando Camões diz que «Amor é ferida que dói, e não se sente», os menos sensíveis às liberdades poéticas acham que estas palavras estão em contradição, porque não há dor que não se sinta. O facto é que, fora da esfera literária, em referência mais objetiva à realidade, somos surpreendidos por expressões cujos termos entram em colisão semântica, gerando ilogismos. Podemos considerar, com ironia ou desejo paradoxal, que alguém é um «belo monstro», mas há pouca volta a dar a um «donativo "obrigatório"» ou a uma «tragédia "humanitária"». Do ponto de vista lógico, uma construção deste tipo chama-se geralmente «contradição em termos» – mas há boas razões para que a forma mais correta desta designação seja antes «contradição de termos» ou «contradição nos termos», como argumenta o nosso consultor Gonçalo Neves numa nova resposta. A propósito, recorde-se que, embora o consultório se encontre encerrado até 1 de setembro, continuamos a pôr em linha material que espera publicação ou que, respigado da atualidade mediática, justifica a sua disponibilização por ter a língua portuguesa como tema.
Como pôde a palavra janela, «abertura na parede externa de uma edificação ou de um veículo», passar também a significar, no contexto da informática, «parte projetada no ecrã do computador para mostrar uma aplicação ou um ficheiro»? A rubrica O Nosso Idioma ajuda a encontrar resposta, disponibilizando uma peça jornalística publicada no jornal digital Observador, em 26/07/2015, à volta dos mecanismos que intervêm nas alterações do significado lexical, muitas vezes para dar maior expressividade aos vocábulos, outras para os deturpar. O consultório, não obstante a sua pausa até 1 de setembro, abre uma exceção, com uma dúvida que não só aguardava publicação como também se impunha pela sua atualidade: porque se escreve agora para (3.ª pessoa do singular do verbo parar) sem acento, tal como a preposição para? «Mais ainda – quis saber o consulente Vasco Simões –, como interpretar o grito "Ninguém pára o Benfica", por exemplo, que, na linguagem de governo e tutelados, passa a ser "ninguém para o Benfica"?». Temos a resposta aqui.
O português de Angola cresce e afirma-se como variedade bem definida, mas são muitos os desafios que os falantes angolanos têm em perspetiva, se quiserem manter a unidade da língua como horizonte. É este um diagnóstico possível, após a leitura de uma série de textos aqui divulgados neste dia, a saber:
– em Acordo Ortográfico, uma entrevista do professor e jornalista luandense Edno Pimentel à linguista angolana Teresa Camacha Costa (Departamento de Língua Portuguesa do Instituto Superior de Ciências da Educação de Luanda), que faz várias advertências a respeito da qualidade do ensino da língua em Angola e do impasse à volta da não ratificação do Acordo Ortográfico por este país;
– na mesma rubrica, também da autoria de Edno Pimentel, a síntese que completa a referida entrevista, sobre os entraves que o governo de Angola considera impeditivos de tal ratificação;
– em O Nosso Idioma, dois artigos dão conta das idiossincrasias da fala angolana: ainda com Edno Pimentel, toma-se nota de um uso incorreto do verbo internar; e com outro jornalista angolano, Emídio Fernando, explicitam-se as conotações pessimistas associadas pelos angolanos aos verbos trintar e quarentar.
Entretanto, apesar da pausa nas suas atualizações por razões já anteriormente expostas, o consultório recebe também uma resposta que aguardava o momento para estar em linha. Como é que se diz: «página trinta e uma», ou «página trinta e um»?
Este é um espaço de esclarecimento, informação, debate e promoção da língua portuguesa, numa perspetiva de afirmação dos valores culturais dos oito países de língua oficial portuguesa, fundado em 1997. Na diversidade de todos, o mesmo mar por onde navegamos e nos reconhecemos.
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