1. Uma língua é uma visão do mundo: mencionam-se com frequência as palavras saudade e jeito ou o contraste entre ser e estar, como marcas culturais do mundo de língua portuguesa. Vem, assim, a propósito a polémica gerada em Portugal por uma crónica publicada no jornal Público (12/02/2016), na qual o autor, o escritor Miguel Esteves Cardoso (MEC), critica acerbamente o uso recente de «os Portugueses e as Portuguesas»* (em lugar do plural «os Portugueses»). Para MEC, a referida inovação «não é apenas um erro e um pleonasmo: é uma estupidez [...]», porque «quando alguém fala em "portugueses e portuguesas" está a falar duas vezes das mulheres portuguesas». Ao que a professora e política Edite Estrela contrapõe o ideal de língua inclusiva, em comentário: «A língua portuguesa promove a igualdade? Umas vezes sim, outras vezes não, porque a língua reflete os valores, usos e costumes da sociedade. Promove a desigualdade se usarmos uma linguagem que consagra a ideia do masculino como universal [...].» Perante tudo isto, recorde-se que as gramáticas descrevem o masculino plural como forma referente não só ao género masculino mas também ao género feminino; por exemplo, o predicativo do sujeito toma a forma de masculino plural quando os sujeitos da frase são realizados por substantivos de géneros diferentes: «o livro e a caneta são novos» (Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, 1984, pág. 276). Poderá a reivindicação da igualdade de género alterar alguma vez a gramática?**
* Há quem use também «as Portuguesas e os Portugueses», pondo o feminino primeiro, de forma a contestar a primazia do género masculino.
** Sobre esta mesma controvérsia, vide, ainda: Pai e Mãe que estais no céu, de Luís Aguiar-Conraria.
2. No consultório, falamos da subclasse de palavras de zero, da aceitabilidade da expressão «morrer morte natural» e do angolanismo chota. Na rubrica Acordo Ortográfico, disponibiliza-se um artigo que, sobre o debate ortográfico, a linguista Maria Helena Mira Mateus, professora catedrática jubilada da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, escreveu no jornal português Público (17/02/2016). Por último, no Pelourinho, um apontamento de Paulo J. S. Barata sobre uma nova confusão: a grafia "acessor", em vez da forma correta assessor.