1. Em Portugal, o Plano de Desconfinamento, aprovado pelo governo em 30/04/2020 para fazer frente à covid-19, leva a população a afazer-se a uma «nova normalidade», expressão motivada pelo inglês «new normal», para alguns interpretável como horizonte de novas oportunidades, sem deixar de ser eufemística, porque agora se trata da arriscada coexistência com a ameaça nos espaços públicos. De qualquer modo, o coronavírus instalou-se nas notícias em qualquer língua, e, em português, continuam a somar-se novos usos que marcam o evoluir da crise, como atestam as repetidas atualizações de "A covid-19 na língua", onde dão entrada nestes dias os seguintes termos e expressões: «Adote um hostel», BCG, «bicho mau», distância física, escola virtual, «fique alerta», hospedeiro, imunidade baixa, imunidade celular, imunidade cruzada, imunidade inata vs. adquirida (ou adaptativa), imunidade transitória, imunodeficiência, pegada da infeção, pré-sintomático, «tsunami de ódio e xenofobia», «Vamos ficar todos bem», vírus de constipação, vírus endémicos vs. pandémicos e «vírus relativamente bonzinho».
2. A propósito de hostel, palavra de origem inglesa, recorde-se que se tornou corrente no vocabulário hoteleiro (ler aqui e aqui) e até já está dicionarizada, embora como estrangeirismo (cf. Dicionário Infopédia e Dicionário Priberam). Como se faz o seu plural: "hosteis" ou "hosteles"? Em O nosso idioma, um apontamento dá conta de como é possível aportuguesar este vocábulo.
3. Sobre a expressão «nova normalidade», muito corrente nestes dia da «pandemia que abalou o Mundo»*, damos destaque ao que os escreveu o diretor-geral da Fundéu-BBVA , Javier Lascuráin, sobre a forma equivalente em espanhol: «nueva normalidad». O texto, que aborda vários aspetos de interesse para o uso de «nova normalidade» em português, encontra-se também traduzido na rubrica Diversidades.
* «A crise pandémica e económica que abalou o Mundo, abanou também o futebol», de Tomás Froes, Record, 8/05/2029
4. Para tempos sombrios, em vez de pessimismo paralisante ou otimismo impensado, talvez o remédio esteja na lucidez e na esperança. Na rubrica O nosso idioma, transcreve-se com a devida vénia uma reflexão do escritor português Valter Hugo Mãe, publicada no Jornal de Noticias, no dia 10 de maio p.p. Comentando as repercussões da pandemia nas palavras e na expressão,Valter Hugo Mãe alerta para o perigo de, no futuro, «colaborarmos ingenuamente com quem dissemina já discursos de intolerância e ódio para ratificar a intolerância e o ódio».
5. Também a respeito do futuro, mas na perspetiva das escolas e da brusca transição das suas atividades para plataformas digitais, a rubrica Ensino disponibiliza um outro texto, intitulado "Que educação para a era pós-covid-19?", do professor catedrático aposentado António Dias de Figueiredo, da Universidade de Coimbra, que o publicou originalmente no seu próprio blogue.
6. No consultório, o tópico da coabitação, uma autêntica arte em tempos de distanciamento social, é aflorado numa dúvida sobre a boa formação do nome comum corresidência. Para evitar eventuais conflitos à escala hierárquica, uma resposta revela a etimologia do prefixo vice- e sugere que um vice-presidente não tem que se sentir inferiorizado em relação ao seu presidente. A construção das frases e os seus problemas, um tema constante para quem se preocupa com a clareza dos discurso, marcam também presença nesta atualização com uma pergunta sobre a concordância verbal numa oração de infinitivo introduzida por ao – «ao cortarem-lhe as tranças, deixaram a menina muito triste»ou «ao cortar-lhe as tranças, deixaram a menina muito triste»? –, e outra sobre a correlação dos tempos numa frase complexa como «duvido que o Zé fosse capaz disso».
7. Uma notícia triste: a morte de Sérgio Sant'Anna em 10 de maio de 2020, vítima da covid-19. O escritor brasileiro, nascido no Rio de Janeiro em 1941, estreou-se em 1969 com o livro de contos O Sobrevivente, que de algum modo definiu o rumo que o seu percurso literário tomou como notável contista. Sobre este autor, ler as notícias publicadas por O Globo e a Folha de S. Paulo.
8. Uma pergunta radical na mudança de assunto e na sondagem às origens do português: que língua falava Afonso Henriques, o primeiro rei de Portugal? No blogue Certas Palavras, o tradutor e professor universitário Marco Neves, retomando um tópico explorado no seu recente livro Almanaque da Língua Portuguesa, surpreende ainda muitos quando revela a umbilical relação linguística do então pequeno território portucalense com a Galiza, para rematar: «[...] ainda hoje há uma surpreendente proximidade entre o que se fala dum lado e doutro da fronteira entre Portugal e a Galiza – e note-se que estamos a falar de uma das mais antigas fronteiras do mundo. Muitos galegos ainda falam galego e nós, claro está, falamos português. Todos nós, portugueses e galegos, falamos qualquer coisa que descende da língua que se ouvia em Guimarães – mas também em Tui – quando Afonso Henriques se tornou o primeiro rei de Portugal.»
9. Dois registos, ainda, sobre o Dia Mundial da Língua Portuguesa, assinalado pela primeira vez no passado dia 5:
♦ O lançamento do primeiro grande estudo que o Consello da Lingua Galega publica sobre o conhecimento do português entre a população galega. Com o título O valor do Portugués en Galicia, esta obra analisa o uso e o ensino da língua portuguesa, bem como as atitudes para com esta. Entre as conclusões, estima-se que 60% dos galegos têm competências em português, mas apenas 18% têm domínio elevado da língua; além disso, 73,2% acham que o português deveria ser estudado na Galiza, mas só 17% sabem dessa possibilidade no ensino secundário graças à Lei Paz Andrade (sobre esta disposição, ler abertura de 12/03/2014).
♦ O anúncio, nesse dia, em Angola, de várias iniciativas relacionadas com a lingua portuguesa no país. Notícia do Jornal de Angola.
10. Na RTP 1 e na RTP Internacional volta a passar o episódio 13 sobre a arte chocalheira, Património Cultural Imaterial com Necessidade de Salvaguarda Urgente, conforme o reconhecimento da UNESCO, em 2015. Decorre no Museu do Chocalho, em Alcáçovas. Passará na terça-feira, dia 12 de maio, às 14h45 *, no primeiro canal da televisão pública portuguesa e, depois, nos seus canais internacionais.
*Hora oficial de Portugal continental, ficando este episódio disponível também na RTP Play, aqui.