O Esperanto, que costuma ser estudado como disciplina da Interlinguística, mais concretamente como sub-ramo dentro do ramo do Planeamento Interlinguístico, pode definir-se, sinteticamente, como uma língua planeada, interétnica ou interglóssica, vocacionada para ser utilizada como língua neutral, de utilidade veicular (uma língua última, entre as presentes, na comunicação entre heterofalantes, colocada sempre depois das línguas étnicas, arcaicamente ditas naturais, por contraponto às línguas ditas artificiais).
O Esperanto, planeado por Ludovico Zamenhof, médico oftalmologista poliglota, polaco de origem judaica, assume-se, desde sempre, como língua secundária em relação a todas as línguas do planeta (cerca de 6300), defendendo-as do glossocídio, mas aspira a ter o papel de língua comunicacional nos casos em que os falantes em processo de comunicação tenham diversas línguas maternas e sejam confrontados com a questão – prática, democrática e glossoecológica – da escolha da língua em que devem comunicar.
A sua regularidade gramatical foi maximizada tendo como fundamento 16 regras, praticamente sem nenhuma irregularidade. Tem a dinâmica de uma língua étnica, evoluindo por si e sobre si. Uma aula de hora e meia costuma chegar para ensinar todas as regras (fonéticas e morfo-sintáticas) e um número suficiente de vocábulos para permitir, em exercícios práticos dentro da própria aula, a construção de frases pelos discentes e o diálogo destes com o docente.
O acervo etimológico do Esperanto é da família indo-europeia, que hoje representa cerca de 53% das línguas do planeta, com predomínio das línguas românicas, mas com participação importante das línguas germânicas e significativa das línguas eslavas, integrando também vocábulos de etimologia alheia.
Vertente cultural e vertente identitária
Além da vertente veicular, o Esperanto tem hoje, colateralmente, na medida admitida pela sua vocação natural, uma vertente cultural e uma vertente identitária, próprias das línguas étnicas (Português, Quimbundo, Chinês ou Inglês). Vertente cultural, porque, apesar de muito do esforço esperantófono ter vindo a ser direcionado na tradução de grandes obras (v.g., clássicos gregos e romanos e obras-primas galardoadas com prémios literários mundialmente consagrados – prémio Nobel, etc. – ou oficialmente reconhecidas como tais – Os Lusíadas, por exemplo), há obras originalmente escritas em Esperanto, algumas também obras-primas), sem deixar de se dedicar às pequenas mas famosas, como todas as histórias em quadrinhos do Tintim e do Asterix, num total de cerca de 30 000 obras em Esperanto.
Vertente identitária, porque, apesar da fidelidade ao princípio da UNESCO do respeito absoluto por todas as línguas étnicas, como património imaterial da Humanidade, os falantes de Esperanto constituem uma espécie de “diáspora” ideoglóssica coesa que une e abarca no seu desiderato milhões de pessoas de todos os continentes (10 milhões, segundo a estimativa da UNESCO).
A UNESCO, com a qual a Associação Universal de Esperanto (AUE) tem um estatuto institucional (ativo) de parceria consultiva, já por duas vezes Resolução da 4.ª Conferência Geral, em Montevideu, de 1954, e Resolução da 23.ª Conferência Geral, em Sófia, de 1985), reconheceu o valor do Esperanto e recomendou, entre o mais, que os seus Estados-membros se empenhassem na introdução do problema linguístico em geral e do ensino do Esperanto nos programas de ensino das suas escolas e das suas instituições de ensino superior. A AUE tem também um estatuto de relações consultivas com a UNICEF e um estatuto de participação no Conselho da Europa.
Um pouco por todo o mundo
numa miríade de profissões e crenças
A Associação Portuguesa de Esperanto tem o estatuto de instituição de utilidade pública. O Brasil é, verosimilmente, o país do mundo, percentualmente, onde o Esperanto é mais falado e ensinado. A China e a Federação Russa (esta desde o tempo da União Soviética) são talvez os países onde o Esperanto é mais subsidiado pelo Estado (desde há muitas décadas) e mais ensinado. Além da AUE, sediada em Roterdão, Holanda, existe pelo mundo uma miríade em pirâmide de associações nacionais e regionais e clubes, às vezes nos sítios mais recônditos habitados por alfabetizados. Há ainda associações especializadas, que podem ter caráter profissional ou científico (de juristas, de cientistas, de economistas e empresários, de médicos, de médicos naturistas, de pedagogos, de cosmólogos, de filósofos, de músicos, de professores, de jurnalistas, de construtores civis, de agricultores, de ferroviários, etc.), de caráter religioso (católicos, evangelistas, cristãos ortodoxos, ecumenistas, espíritas, quacres, mórmones, hilelistas, bahaistas, budistas, confucionistas, uonbulistas, islamitas, ateus, comparatistas confessionais, etc.), de caráter cívico e profilático-terapêutico (sobre ecologia, consciência europeia, liberdades étnicas, cidadania mundial, pacifismo, rotarianismo, vegetarianismo, antifumismo, etc.), de caráter político (eurodemocratas, comunistas, anarquistas, etc.), de desportos (biciclistas, motociclistas, taichijuanistas, radioamadores, naturistas, etc.), de filantropia (cegos, deficientes), de lazer (turistas culturais, filatelistas, numismatas, amigos dos gatos, roqueiros, etc.), etc.
O Esperanto é, há muitos anos, por reconhecimento do Vaticano, língua litúrgica da religião católica, sendo também usado para actos religiosos, promotores e proselíticos de outros cultos de diversos continentes. Entre outros, linguistas de vanguarda mundial como Chomsky e Umberto Eco fazem o elogio do Esperanto em livros, artigos e entrevistas (o último chama-lhe «a língua ótima», e o primeiro saúda habitualmennte o Congresso Universal, tal como fazem tradicionalmente Papas, chefes de Estado, premiados Nobel (da Literatura e das Ciências), reitores de universidades de primeiro plano mundial e outras personalidades da alta intelectualidade internacional.
Em Lille, sob o lema
«Línguas, artes e valores no diálogo entre culturas»
O 1.º Congresso de Esperanto aconteceu no ano de 1905 em Boulogne-sur-Mer, França. O 100.º terá lugar em Lille, a cidade mais próxima daquela, dotada de capacidade para receber milhares de congressistas (previsivelmente, nacionais de cerca de 150 países), entre 25 de Julho e 1 de Agosto. O tema do Congresso Universal de Lille é «Línguas, artes e valores no diálogo entre culturas». Para antes e depois do Congresso Universal, são organizadas excursões de 4 a 6 dias, em França e países limítrofes, com cicerones esperantófonos, que podem ser historiadores, antropólogos ou etnólogos, por vezes catedráticos, conhececedores das regiões visitadas nas excursões. O Congresso mais participado até hoje ocorreu em Varsóvia, Polónia, com quase 6000 congressistas.
O programa dos Congressos Universais é caleidoscópico – trata de grande parte do que é científico, artístico e de interesse humano. Nos Congressos Universais, fala-se em Esperanto, mas pouquíssimo sobre Esperanto, exceto nas conferências de esperantologia, participadas principalmente por esperantólogos. Há conferências, palestras e colóquios, no âmbito das associações especializadas e no quadro geral do Congresso Universal, assim como feiras, leilões, cursos da língua ou línguas do país anfitrião e cursos de plúrimas técnicas e artes (e.g., de massagens orientais, de arranjos florais, de origami), concertos, representações teatrais e cénicas em geral. A par dos Congressos Universais são realizados, com frequência, congressos nacionais e regionais (continentais) e também Congressos da Juventude e Congressinhos de crianças em dade escolar e pré-adolescentes.
O Esperanto é a única língua oficialmente autorizada no Congresso. Não há cabinas de intérpretes nem auscultadores. Se, eventualmente, se agruparem um português, um brasileiro e um angolano, durante a semana dum Congresso Universal, devem falar em Esperanto, não em Português.