Antologia - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
 
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Textos de autores lusófonos sobre a língua portuguesa, de diferentes épocas.

Madre língua portuguesa,
Sombra dos coros divinos;
— Milagre da naureza:
De rouca e surda rudeza
Erguida em sons cristalinos!

[...]

Alta espada de dois gumes,
Castelo das cem mil portas:
Língua viva, que resumes
— Rescaldo de ttantos lumes! —
O génio das línguas mortas...

[...]

Ai de mim! Para louvar-te,
Chovessem na minha mão
Estrelas de toda a parte;
Fosse um trovão a minha arte;
Fosse a minha alma um vulcão!

Eu amo tanto a nossa língua, esta nossa querida língua portuguesa! — fidalga de nascença pelos pais, cedo emancipada e logo rica, modesta no aspecto, dada no trato, grave no som, sóbria na tinta, gentil de linhas, e por ser desembaraçada de partículas inúteis, precisa nos conceitos, rápida nas máximas, evidente nos contrastes; e ao mesmo tempo cândida para bucólicas, terna para lirismos, altiloqüente nas estrofes das epopéias sonorosas, esquiva no diálogo curto, avolumada no discurso lento, s...


Cantei nos Cantares de Amigo,
cantando, a Pátria nasceu;
Portugal floriu comigo
quando a poesia cresceu.

Ai flores, ai flores dos Cancioneiros,
oh graça e sorriso dos poemas primeiros!

Ondas do mar me embalaram,
tanto andei a navegar,
que nos meus ritmos ficaram
íris e longes do mar. <...

Aquelle Manuel do Rego
É rapaz de tanto tino
Que em lirio põe sempre y grego,
E em lyra põe i latino!
E como a gente diz ceia
Escreve sempre ceiar;
Assim como de passeia
Tira o verbo passeiar!
Nunca diz senão peior
Não só por ser mais bonito,
Mas porque achou num auctor
Que deriva de sanskrito.
Escreve razão com s,
E escreve Brasil com z:
Assim elle nos quizesse
Dizer a razão porquê!
Também como diz — eu soube
Julga que eu poude é correct...

Crónica da escritora brasileira Clarice Lispector (1920-1977) , incluída no livro A Descoberta do Mundo, editado postumamente, em 1984.

Nunca o Silvestre tinha tido uma pega com ninguém. Se às vezes guerreava, com palavras azedas para cá e para lá, era apenas com os fundos da própria consciência. Viúvo, sem filhos, dono de umas leiras herdadas, o que mais parecia inquietá-lo era a maneira de alijar bem depressa o dinheiro das rendas. Semeava tão facilmente as economias, que ninguém via naquilo um sintoma de pena ou de justiça — mesmo da velha —, mas apenas um desejo urgente de comodidade. Dar aliviava. (...)

A língua portuguesa é, sem dúvida alguma, uma língua particularmente harmoniosa e musical. Os seus ritmos são doces; as palavras que a tecem, em geral desprovidos de acentos, são tristes como côres de tons pálidos, e expressam-se sempre em voz baixa. Isto dá nevoeiro de ideal à prosa, e presta serviços inestimáveis ao artista melancólico, que é por via de regra português.

Qualquer estrangeiro pode traduzir com facilidade e presteza na sua linguagem todo o pedaço de prosa dos nossos bons autores, visto ser a sintaxe da nossa língua mui natural e correcta, sem a imensidade das inversões que vemos nos outros idiomas antigos e modernos, circunstância que os faz de difícil acesso a quem neles pretende ser instruído, e obsta à sua propagação…

1.

A fala a nível do sertanejo engana:
as palavras dele vêm, como rebuçadas
(palavras confeito, pílula), na glace
de uma entonação lisa, de adocicada.
Enquanto que sob ela, dura e endurece
o caroço de pedra, a amêndoa pétrea,
dessa árvore pedrenta (o sertanejo)
incapaz de não se expressar em pedra.

2.

Daí porque o sertanejo fala pouco:
as palavras de pedra ulceram a ...

Quando d'amor se pode humanamente
Sentir, tu o sentes; ou cantar, tu o cantas,
Salício1: e em-quanto a doce voz levantas.
Tudo arde em fogo, em tudo amor se sente.

Só Flérida2, e Amor a ela obediente,
Ao vivo fogo teu, lágrimas tantas,
Aos grandes versos com que o Mundo espantas,
Olhos e ouvidos cerram cruelmente…

Por ventura que em-quanto à estrangeira
Língua entregas teus doces acentos
Não é tua voz com tanto efeito ou...