Antologia - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
 
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Textos de autores lusófonos sobre a língua portuguesa, de diferentes épocas.

1.

A fala a nível do sertanejo engana:
as palavras dele vêm, como rebuçadas
(palavras confeito, pílula), na glace
de uma entonação lisa, de adocicada.
Enquanto que sob ela, dura e endurece
o caroço de pedra, a amêndoa pétrea,
dessa árvore pedrenta (o sertanejo)
incapaz de não se expressar em pedra.

2.

Daí porque o sertanejo fala pouco:
as palavras de pedra ulceram a ...

Quando d'amor se pode humanamente
Sentir, tu o sentes; ou cantar, tu o cantas,
Salício1: e em-quanto a doce voz levantas.
Tudo arde em fogo, em tudo amor se sente.

Só Flérida2, e Amor a ela obediente,
Ao vivo fogo teu, lágrimas tantas,
Aos grandes versos com que o Mundo espantas,
Olhos e ouvidos cerram cruelmente…

Por ventura que em-quanto à estrangeira
Língua entregas teus doces acentos
Não é tua voz com tanto efeito ou...

Língua cuja suave melodia,
Cuja enchente fecunda de expressões,
Clara te faz entre as viventes línguas,
    Mais que tôdas ilustre:

Se aquele que imitando o Cisne Argivo
Tanto as latinas musas ilustrou ,
Que as fez voar eternas pelo mundo,
    Vencidas quási as gregas;

Que as armas e o varão pio cantando,
Que o caro pai, que os caros seus Penates
Salvou por entre as c...
Poema, inserto na obra do autor, O Lima (Carta IV – a D. João de Castelo Branco), a seguir transcrita da antologia Paladinos da Linguagem, organizada por Agostinho de Campos.

A língua está a pique de perder-se, degenerando em garabulha por arte de franchinotes. Já não é sòmente o vocábulo de boa casta que é renegado pelo barbarismo, é a própria plástica, a mesma sintaxe, de construção robusta, que se vai deformando com o arrocho do justilho, efeminando-se com embelecos e postiços.

Sejam quais forem as reacções necessárias e fatais entre a grandeza de um povo e a difusibilidade da sua língua, o certo é que poucos povos teem tido uma história tão grande como o povo português,  e que também poucas línguas teem hoje uma geografia tão dilatada como a portuguesa língua.

A língua portuguesa, como língua viva, sempre se vai enriquecendo; e já é tão abundante e opulenta, que em todas as matérias tem ricos termos.

Era antigamente a língua portuguesa tão pobre, como foram todas as mais línguas nos seus princípios. Só nas folhas de alguns livros históricos ou predicativos saía singelamente à luz; mas com as obras de muitos autores teve sucessivamente tão preciosos ornatos, que não tem que envejar ás mais elegantes línguas da Europa o seu luzimento…

Um poema retirado de A matéria do Poema, A matéria do Poema, do poeta português Nuno Júdice, num tom informal e leve, sobre a responsabilidade e os complexos de ser poeta de «a maior língua do mundo»,««a língua do Camões, a língua do Pessoa…», a língua de «duzentos milhões».

 

A Língua em que navego, marinheiro,
Na proa das vogais e consoantes,
É a que me chega em indas incessantes
Na praia deste poema aventureiro.

É a Língua Portuguesa — a que primeiro
Transpôs o abismo e as dores velejantes,
No mistério das águas mais distantes,
E que agora me banha por inteiro.

Língua de sol, espuma e maresia,
Que a nau dos sonhadores-navegantes
Atravessa a caminho dos Instantes,
Cruzando o Bojador de cada dia.

Ó Língua-Mar, viajando em todos nós!
No teu sal, singra errante a minha voz.

[...] Mas a poesia é também a língua. A música secreta da língua. Na língua portuguesa essa música é um marulhar contínuo. «Há só mar no meu país» — escreveu o poeta Afonso Duarte. E um poeta angolano falou da língua portuguesa como língua de viagem e mestiçagem. E eu acrescento: rio de muitos rios. E também pátria de várias pátrias. A língua é una. Mas é diversa. Tanto mais ela quanto mais diferente. Tanto mais pura quanto mais impura.