Alguns investigadores, como a socióloga Mara Pieri, defendem que desde o século XIX a complexa relação entre sociedade e a linguagem tem sido foco de discussão e reflexão. Entendendo-se a língua como um sistema criado por pessoas e que reflete o modo como estas se organizam, a reivindicação pela utilização de uma linguagem que pretenda incluir minorias e grupos marginalizados é, no fundo, um reflexo do modo como as sociedades pensam e se organizam. Nos dias de hoje, a defesa do uso de linguagem inclusiva está, sobretudo, alinhada com as teorias que refletem sobre o papel sexual e de género.
Relativamente às questões de género e linguagem, estas começaram a ganhar mais amplitude na década de sessenta do século XX com a segunda vaga do feminismo nos Estados Unidos da América, sendo que este tema rapidamente começou a ser discutido em alguns dos círculos mais proeminentes da linguística. Exemplo disto é a publicação da obra Language and Woman’s Place de Robin Lakoff, aluna do reputado linguista Noam Chomsky. Neste texto, a autora denuncia conotações, expressões e construções linguísticas que dão conta da natureza sexista das sociedades. Neste sentido, na dissertação de mestrado «Poderá uma Língua Natural ser Sexista?» (2020), o investigador João de Matos (Universidade Nova de Lisboa) defende que o uso do masculino1 para referir grupos que não são compostos apenas por homens é problemático, visto que contribuiu para a conceptualização invisível de todas as pessoas que não sejam homens.
Com a emergência dos movimentos LGBTQIA+ e da teoria queer (relacionada com a identidade de género), foram propostos sistemas gramaticais alternativos, como por exemplo, no caso do português, o sistema ELU, que consiste numa adequação da linguagem que possibilita a inclusão no discurso de pessoas que se identificam com outros géneros (p. ex., não-binário), através, por exemplo, do uso do neopronome elu(s) ou da adoção do sufixo -e, em vez de -a ou -o.
No início do ano passado, o Museu da Língua Portuguesa em São Paulo, aquando da sua reabertura após o incêndio que o deixou inativo durante um intervalo de tempo, usou a palavra todes como forma de defesa de uma linguagem mais inclusiva. Apesar de este sistema ter já alguma difusão, sobretudo no Brasil, as formas propostas por ele são ainda recentes e, por isso, encontram-se até ao momento ausentes dos dicionários. Todavia, existindo uma mudança social no sentido de normalizar a diversidade, pode acontecer que a língua evolua quer neste sentido agora proposto quer no sentido de outra solução que resolva o problema da inclusão.
Quanto ao uso de uma linguagem acessível a pessoas com deficiências visuais, existe o método universal de escrita e leitura para cegos, designado por sistema de escrita Braille. Já no que concerne ao acesso à comunicação por parte de surdos e/ou mudos, existem sistemas como a língua gestual portuguesa (Portugal) ou a Língua Brasileira de Sinais (Libras), em que as palavras são essencialmente articuladas pelas mãos e entendidas através da visão. Se sistemas de linguagem neutra, como o sistema ELU, serão também adotados por estes métodos de comunicação, apenas o tempo o dirá. Contudo, nada impossibilita que não sejam.
1. Segundo a gramática tradicional, as formas do masculino são entendidas como não marcadas, ou seja, estas formas denotam referentes com géneros diferentes.
Cf. A polémica expressão «pessoas que menstruam» + Nem todas as pessoas que menstruam são mulheres + “Mulher” é pouco inclusivo. E que tal “pessoa com vagina”?