Comecemos pela análise das duas frases apresentadas pelo consulente:
1. «Não se esqueçam.»
2. «Não vos esqueçais.»
O consulente refere que, na sua ótica, a frase 1 é a mais corrente, mas considera a frase 2 formalmente mais correta, apesar de ter uso reduzido.
Contudo, não podemos considerar a frase 1 incorreta, atendendo à Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian, 2020, vol. III, p. 2714), onde se afirma que «vocês é gramaticalmente uma forma de 3.ª pessoa, etimologicamente proveniente da expressão nominal vossas mercês [...]. O uso do pronome vocês é comum a todas as classes sociais[...]» , mas que não é «[...] aceite pelas gerações mais velhas ou pelas pessoas mais cultas quando dirigida a pessoa mais velha ou hierarquicamente superior». Este uso, além de comum a todas as classes sociais, está consagrado em todos os territórios de língua oficial portuguesa. No entanto, no que ao território português concerne, verificamos que o uso de vós, apesar de estar em declínio, ainda se encontra em formas dialetais, sobretudo no norte de Portugal, e está presente também nos discurso e textos litúrgicos. Por exemplo, ao proceder-se à tradução de novos textos e da missa para vernáculo, não se ousa tocar e atualizar este aspeto.
Em relação à sua fixação de vocês no uso, sabemos que você e, por extensão, vocês advêm da forma de tratamento nominal Vossa Mercê/Vossas Mercês. Ora, segundo Lindley Cintra, em Sobre "formas de tratamento na língua portuguesa" (Livros Horizonte, 1986), os mais antigos exemplos recolhidos em que figuram como forma de tratamento Vossa Mercê encontram-se nas cortes de 1331, com origem estrangeira, e adaptados, provavelmente, do castelhano vuestra merced. No entanto, foi na corte de D. Afonso V, no século XV, que se consolidou e espalhou o seu uso, prevalecendo a forma de tratamento nominal Vossa Mercê durante três séculos, até ao século XVIII. No entanto, foi por esta altura que se começou a registar a forma você como abreviatura de Vossa Mercê, usada por familiaridade e amizade. Apesar de o pronome pessoal vós ter uso na segunda pessoa do plural, como, de resto, ainda hoje se verifica, sucede que também era usado na segunda pessoa do singular1; e acredita-se que, a par do você, que concorria com o vós para marcar a 2.ª pessoa do singular, surgiu o vocês, cuja fixaçãono uso é datável do século XVIII.
1 O pronome pessoal vós tem duplo emprego: segunda pessoa do singular como forma de cortesia (veja-se os textos litúrgicos: «Pai nosso, que estais no céu [...]»), e segunda pessoa do plural («João e Rita, vinde para dentro»).