DÚVIDAS

O uso do pronome pessoal vós na história

Já faz algum tempo que tenho curiosidade a respeito da evolução das formas de tratamento na língua portuguesa. Em que época e por quê, por exemplo, surgiu o tratamento por vós para apenas uma pessoa. Como aparecem as formas encabeçadas pelo possessivo vosso(a)? Como algo remanescente disso, na liturgia da Igreja Católica, Deus e os bem-aventurados ainda são interpelados por vós, no Brasil e em Portugal (penso que também nos outros países lusófonos); não conheço a existência desse fenômeno noutros idiomas, especialmente nos de origem latina, em que os fiéis se dirigem a Deus e aos santos fazendo uso do pronome de segunda pessoa do singular tu.

Peço-lhes, pois, uma explanação — se possível mais detalhada — sobre este assunto.

Muito grato deste então.

Resposta

Sem fazer uma grande explanação, diga-se que o uso de vós no âmbito do discurso religioso reproduz o uso desta forma de tratamento, que Celso Cunha e Lindley Cintra classificam como «vós de cerimónia» na Nova Gramática do Português Contemporâneo (Lisboa, Edições João Sá da Costa, 1984, págs. 287/288), onde também se lê (ibidem):

«1.º Vós, com referência a uma só pessoa, normal como tratamento de cerimónia em português antigo e clássico, emprega-se ainda, uma vez por outra, em linguagem literária de tom arcaizante para expressar distância, apreço social:

[...] - Não percebeis vós que a prudência é para mim um dever? [...]

2.º Vós foi, durante muito tempo, a forma normal por que os católicos portugueses e brasileiros se dirigiam a Deus, tratamento que, ainda hoje, prevalece entre eles:

Pai nosso que estais no céu...

No culto reformado, adopta-se a forma tu:

Pai nosso que estás no céu [...]»

Observe-se que o uso de formas de tratamento cognatas do vós português não é desconhecido de outras línguas românicas, como é o caso da francesa, a respeito da qual também se tem notícia do uso de vous numa tradução do Pater noster («Pai nosso»), que hoje já não tem prevalência.

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