Também em português a pontuação obedece a regras bem definidas pelas gramáticas, constituindo, ao mesmo tempo, um bom auxiliar na leitura em voz alta.
A vírgula destaca certos membros da frase e separa termos com a mesma função. Observe-se, no entanto, que o seu emprego não é necessariamente rígido; uns autores utilizam-na muito, outros menos.
De qualquer forma, trata-se de uma matéria rigorosa, intimamente ligada à análise sintáctica, como se poderá observar no texto que se segue, retirado da obra Curso de Redacção I – A frase, de J. Esteves Rei, da Porto Editora, que regista grande número de situações de uso da vírgula:
«(...)
a) A vírgula põe em relevo os elementos seguintes:
• O vocativo, podendo aparecer no início, no meio ou no final da frase.
188. Oh primo Mateus, não diga isso!
(Vitorino Nemésio, Mau Tempo no Canal)
189. Ai, menina Jenny, é que... veja. (Júlio Dinis, Uma Família Inglesa)
190. Que é isso, Manuel? (Júlio Dinis, ibid)
• O aposto ou qualquer elemento de valor meramente explicativo.
191. No topo da escada, esbatendo-se na penumbra, surgiu o abdome e logo o rosto avermelhado de Macedo, proprietário da Flor da Amazónia. (Ferreira de Castro, A Selva)
192. Empresto, sim. (Agustina Bessa-Luís, A Sibila)
• O complemento adverbial quando colocado em ordem inversa.
193. Mesmo às cegas, a Justiça instaurou-me um processo (...). (Aquilino Ribeiro, O Malhadinhas)
• O nome do lugar, nas datas.
194. Vila Real, 10 de Março de 1992.
• A oração subordinada adverbial, principalmente quando anteposta à principal.
195. E, a meu lado, pela avenida escura das palmeiras, ia dizendo em voz baixa:- Se for polícia, tu não sabes de nada. (Jorge de Sena, Sinais de Fogo)
• A oração intercalar.
196. Mas no dia seguinte, como disse, encontrei-me na serra com companheiros de escola. (Vergílio Ferreira, Signo Sinal)
• A oração relativa explicativa ou apositiva.
197. Aquele seu gesto, que o Largo da Matriz conhecia há vinte anos, dava à calçada a rápida aparência de uma clareira de selva que deixa passar o elefante pesado e soberano. (Vitorino Nemésio, Mau Tempo no Canal)
• As orações reduzidas de infinitivo, de gerúndio e de particípio quando equivalentes a orações adverbiais.
198. Ordinariamente ao meio-dia, ao acabar de almoçar, Maria Eduarda, ouvindo rodar o trem na estrada silenciosa, vinha esperar Carlos à porta da casa, no topo dos degraus ornados de vasos e resguardados por um fresco toldo de fazenda cor-de-rosa.
(Eça de Queirós, Os Maias)
199. E Januário, suspendendo o passeio ao longo do escritório, bateu com a mão espalmada num costal de escrituras, como se acabasse de sair a trunfo puxando o ás.
(Vitorino Nemésio, Mau Tempo no Canal)
200. Carlos, entusiasmado com a letra dela, quase comparável à lendária letra do Dâmaso, ocupava-a agora incessantemente como copista, sentindo mais amor por um trabalho a que ela se associava.
(Eça de Queirós, Os Maias)
b) A vírgula separa:
• Elementos com a mesma função sintáctica (sujeito composto, verbos e complementos), não unidos por uma das três conjunções: e, ou e nem.
201. – E não tenho mesmo, não tenho – e ficou contemplando o seu próprio fumo que subia. Depois disse: – Às vezes, nas aulas, eu dou comigo a falar, a explicar, a gritar, a bater aos alunos, porque eu bato neles, e pergunto-me a mim mesmo o que estou ali a fazer. (Jorge de Sena, Sinais de Fogo)
202. – Meu tio interpelou-me: E tu, tu aí, também intercedes pela tua tia? (Jorge de Sena, ibid).
• As orações coordenadas assindéticas (sem conector presente) ou justapostas.
203a. O emigrante português chega ao Brasil, busca trabalho, instala-se. (Vitorino Nemésio, O Segredo de Ouro Preto)
(...)
c) Usos especiais da vírgula:
• Em caso de elipse: supressão de uma palavra ou grupo de palavras.
204a. Um é meu, o da calça branca; o outro, de meu genro. (Aquilino Ribeiro, O Malhadinhas)
(...)
• Com as conjunções.
.e – os termos de uma enumeração são separados por vírgula; o penúltimo e o último são separados por e, não se usando a vírgula.
205. Sevilha, Barcelona, Paris e Roma são as cidades que penso visitar.
Contudo, a vírgula aparece antes de e:
– quando a conjunção e marca, além de uma simples adição, uma ideia de consequência, de oposição ou de surpresa;
206a. Cumprimentei os pais dela, e juntei-me ao grupo. (Jorge de Sena, Sinais de Fogo)
– quando as orações coordenadas têm sujeitos diferentes.
206b. Estávamos num jardim que eu não conhecia, e havia vultos pelos bancos. (Jorge de Sena, ibid).
– quando aparece repetida numa enumeração.
206c. Sim, é verdade: tudo é magnífico, e são, e banhado pelo sol; (Eça de Queirós, Prosas Bárbaras)
. ou – com esta conjunção, como podemos ver, seguem-se os mesmos princípios que com e.
207.
a) Outras vezes, a jogar, eu fico com as cartas no ar, ou seguindo com os olhos a bolinha da roleta, e pergunto-me que sentido tem aquilo tudo. A única coisa que tem sentido, porque apetece e mais nada, é uma boa mulhar. (Jorge de Sena, ibid).
b) Mas, se assim acontecia, se, no conhecimento absoluto de nós mesmos pela paixão, nos identificávamos afinal muito menos com o objecto dela que com todos os outros seres que, nesse objecto, participavam da sua realidade e mesmo a constituíam, a paixão destruía-se a si própria, ou nós próprios nos destruíamos, e aos outros, nela. (Jorge de Sena, ibid).
c) Num ano, ou morre o burro, ou morre o rei, ou morro eu! (De um conto popular)
. nem – quando usada uma ou duas vezes, em geral, não é precedida de vírgula; se é repetida mais vezes, a vírgula é usada.
208.
a) E hás-de concordar que nem eu nem ela precisamos de pedir-te licença. (Jorge de Sena, ibid).
b) Ó mulheres! Vós todas que tendes dentro do peito o mal que nada cura, nem os simples, nem os bálsamos, nem os orvalhos, nem as rezas, nem o pranto, nem o sol, nem a morte, vinde ouvir-me esta históris florida. (Eça de Queirós, Prosas Bárbaras)
. mas – pode ser precedida ou seguida de vírgula: no primeiro caso, ela indica uma restrição ou oposição; no segundo caso, indica um tempo de reflexão, uma hesitação.
209
a) Muito obrigado, mas não vale a pena. (Jorge de Sena, ibid).
b) Mas, ah gente! No meio daqueles negros todos, cabeça alta, bem escorado nas pernas, o lódão a ensarilhar tão lesto que nem se via, dava ganas de lhe gritar:
- Aí, filho de bô’ mãe! Aí! (Aquilino Ribeiro, O Malhadinhas)
. porém, todavia, contudo e no entanto, adversativas; logo, portanto, por conseguinte e por consequência, conclusivas, podem aparecer:
– seguidas de vírgula quando se encontram no início do período ou depois de ponto e vírgula;
210. Todavia, é com verdadeira alegria que me acho neste canto que a polícia me deixa. (Eça de Queirós, Prosas Bárbaras)
– precedidas de vírgula se vêm no início de uma oração, no interior do período;
211. Vá onde quiser, porém fique morando connosco. (Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo)
– entre vírgulas quando se encontram após um dos termos da oração a que pertencem.
212
a) Era, contudo, verdade porque lá estava no chão, o balde que Firmino deixara. (Ferreira de Castro, A Selva)
b) Preferiu, portanto, ignorar que Germa estava nesse momento totalmente desligada e ausente de si (...). (Agustina Bessa-Luís, A Sibila)
Observação: pois – quando conjunção conclusiva, vem sempre posposta a um termo da oração a que pertence e, assim, isolada por vírgulas.
c) O seu lugar estava, pois, esquecido, alguma coisa avassaladora e única tinha ganho terreno naquela alma, e não era possível expurgá-la mais. (Agustina Bessa-Luís, A Sibila)»
Naturalmente, ao pontuarmos um texto, não precisamos de ter presente esta longa lista de normas. Mas a leitura, a escrita e um pouco de estudo e atenção são essenciais para um bom desempenho neste assunto.