Os atos de fala e a modalidade constituem duas perspetivas de análise linguística particulares, que se integram em plano distintos da reflexão gramatical. Assim, a modalidade expressa «por meios linguísticos, atitudes e opiniões dos falantes ou das entidades referidas pelo sujeito sobre o conteúdo proposicional dos enunciados que produzem»1. Por seu turno, os atos de fala constituem ações linguísticas que têm lugar através de um dado enunciado que um locutor dirige a um dado ouvinte num determinado espaço e num determinado tempo. Este enunciado é sempre associado a uma intenção comunicativa com uma determinada força ilocutória (informar, exclamar, pedir…). Deste modo, a análise dos atos de fala situa-se no plano da pragmática enquanto o valor modal se associa a uma análise situada no plano semântico.
Em particular, a modalidade deôntica envolve duas entidades: aquela que dá uma ordem ou uma permissão e aquela sobre a qual recai a obrigação, como se observa em (1) e (2):
(1) «A Rita permitiu ao João que fosse à festa.»
(2) «Vai buscar uma folha.»
Nestas frases, a modalidade expressa-se através da seleção do verbo permitir ou do recurso ao modo imperativo, recursos linguísticos que exprimem a atitude do locutor ou sujeito do enunciado. Esta análise pode dispensar a consideração do contexto em que decorreu a interação linguística.
No plano de análise dos atos de fala, considera-se sempre o contexto comunicativo de uso do enunciado e procura avaliar-se a intenção do locutor, responsável pela produção do enunciado e, logo, pela intenção que a ele se associa. Neste contexto, a frase (1) pode ser produzida pelo locutor com a força ilocutória de informar, pelo que configura um ato ilocutório assertivo. Já a frase (2), poderá ser associada à força ilocutória de uma ordem, pelo que poderá configurar um ato ilocutório diretivo.
Deste modo, e retomando a questão colocada pelo consulente, uma frase associada à modalidade deôntica poderá configurar um ato ilocutório diretivo, com efeito. Todavia, esta associação não é sempre possível, como se observa, por exemplo, na frase 1. A análise terá de ser efetuada frase a frase / enunciado a enunciado.
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1. Oliveira e Mendes in Raposo et al., Gramática do Português. Fundação Calouste Gulbenkian, p. 623.