Há de facto frases interrogativas com valor de pedido, o que as aproxima das frases imperativas. Impõe-se, portanto, reconhecer que uma coisa é a estrutura gramatical e prosódica de uma frase, isto é, o seu formato (no caso, interrogativo), e outra a maneira como é entendida, que é o mesmo que falar do seu valor pragmático. Na Terminologia Linguística para o Ensino Básico e Secundário (TLEBS), agora adoptada em Portugal, o primeiro aspecto está descrito no subdomínio da sintaxe, mas o segundo encontra-se no subdomínio da pragmática e da linguística textual. Trata-se, pois, de perspectivas diferentes que se podem cruzar na descrição de um caso como o da pergunta.
Sucede que o valor pragmático (força ilocutória) de um enunciado pode não ser o que é habitualmente associado ao formato sintáctico da frase. Se assim for, estaremos perante um acto ilocutório indirecto. Na TLEBS, os actos ilocutórios indirectos são definidos como «[…] frases que, contendo um marcador e uma determinada força ilocutória, estão, na verdade, ao serviço de um outro ato ilocutório».
Assim, em português, como em muitas outras línguas, é possível fazer um pedido através de uma pergunta. Um pedido ou uma ordem constituem a{#c|}tos ilocutórios directivos que, segundo a TLEBS (subdomínio pragmática e linguística textual, B7.3.4.3.2.), obedecem a «uma condição preparatória inicial segundo a qual o locutor tem de estar numa posição de autoridade em relação ao interlocutor». Nesta passagem, penso que se quer dizer «situação de autoridade», uma vez que no pedido o locutor pressupõe a autoridade do interlocutor). Deste modo, as respostas à pergunta «Emprestas-me a tua régua?» podem assumir as formas «Empresto» ou «Não empresto» e têm valor ilocutório, isto é, são actos de fala através dos quais se toma uma decisão («emprestar»/«não emprestar»).
Acresce que as interrogativas que correspondam a perguntas já são actos ilocutórios directivos, porque pretendem levar o interlocutor a responder, ou seja, a produzir um acto de fala. São, no entanto, uma subclasse dentro desse tipo de actos (ver TLEBS, B7.3.4.3.2.).
Note-se que, na didáctica da língua, a frase imperativa anda conotada com a noção de ordem, imposição. Ora, no contexto apresentado, trata-se de influenciar o comportamento do interlocutor em nosso favor, mas assumindo a perspectiva de respeitar a sua vontade. Daí termos um pedido e não uma ordem, que, aqui, sim, corresponderia ao uso do imperativo. Neste contexto, considero que para as crianças é útil saberem que um determinado tipo de frase pode não assumir o valor habitual. Por outras palavras, se a obra gramatical não regista a diferença que acabo de descrever, o professor pode intervir com esclarecimentos, até porque não estamos a tratar só de gramática. As regras de boa educação são parte da realidade social da criança, e a língua não as ignora; pelo contrário, inscreve-as no seu próprio funcionamento.