Continua a não haver resposta satisfatória. À luz da norma mais conservadora não se aceita, muito embora haja registos dicionarísticos das formas acentuadas.
A insatisfação com as formas púdico e impúdico terá mais de 100 anos, de acordo com o apontamento que escreveu, também há bastante tempo (mais de 60 anos), Vasco Botelho de Amaral, no seu Dicionário de Dificuldade e Subtilezas do Idioma Português. Note-se que nestes casos, a terminação -ico não vem do sufixo pós-tónico greco-latino -ĭcus, cujo i é breve, mas sim de uma terminação latina que recebia acento tónico no i (longo) de pudīcus.
Botelho de Amaral atribuía a interferência espanhola o uso de púdico, origem que não se pode aqui confirmar, mas que coincide com a fixação da forma púdico em espanhol (cf. dicionário RAE). No entanto, cabe perguntar se a forma esdrúxula não resultará de uma interpretação errónea (hipercorreta) do francês pudique no período em que a leitura nessa língua era frequente nos meios burgueses e aristocráticos de Portugal (e, porque não?, de Espanha). Com efeito, projetando o uso de pudique no português e havendo desconhecimento da forma etimológica latina, é possível que muitos falantes tenham julgado que a terminação francesa deveria ser transposta como o sufixo átono -ico e, por hipercorreção, a palavra deveria assumir a forma púdico. Não é aqui possível aprofundar a questão.
Em todo o caso, refira-se que, em 1966, Rebelo Gonçalves, no seu Vocabulário da Língua Portuguesa, registava as formas sem acento e assinalava que as acentuadas eram «inexactas». Hoje, apesar de, etimologicamente, as formas corretas serem pudico e impudico, a verdade é que as formas esdrúxulas se têm imposto pelo uso e até já são aceites como corretas mesmo em dicionários.
Por exemplo, na versão digital do dicionário da Academia das Ciências de Lisboa, disponível em linha desde abril de 2023, considera-se que, apesar de pudico e impudico constituirem as formas vernáculas e corretas, estas pouco uso têm, e são púdico e impúdico as formas principais e igualmente corretas. A Infopédia também aceita púdico/impúdico mas remete estas entradas para as formas sem acento, assim sugerindo que são estas últimas as formas mais corretas. O Dicionário Priberam só regista as formas sem acento, ou seja, as de acentuação grave.
Nos dicionários do Brasil aqui consultados não há registo das formas acentuadas – cf. Houaiss, Aurélio, Michaelis e UNESP. Dir-se-ia, portanto, que no Brasil não se usam púdico nem impúdico1, mas uma consulta do Corpus do Português (de Mark Davies) permite supor que estas grafias/pronúncias não são totalmente desconhecidas em textos brasileiros.
Em síntese, as forma inacentuadas são ainda as mais corretas. Não obstante, as formas com acento começam a ter aceitação, mesmo do ponto de vista da norma-padrão.
É pena não ser possível emitir aqui um juízo mais decisivo. Contudo, a opção por pudico/impudico ou por púdico/impúdico pode também depender muito do tipo de texto em que ocorram estes adjetivos. Num texto que contenha referentes clássicos e eruditos, espera-se com certeza que se conserve a grafia e a pronúncia etimológicas: pudico e impudico.
1 Celso Cunha e Lindley Cintra, na Nova Gramática do Português Contemporâneo (Lisboa, João Sã da Costa Edições, 1984, p. 58), chegam a atribuir as formas esdrúxulas apenas aos falantes de Portugal: «Há por vezes discordância na pronúncia mais corrente entre Portugal e o Brasil. Os portugueses dizem comummente púdico e rúbrica; os brasileiros, apegados à acentuação que a etimologia recomenda, pronunciam pudico e rubrica.» Observe-se que a forma "rúbrica" continua a ser considerada incorreta em Portugal, país onde, como se vê, a forma púdico ganhou certa legitimidade, a par de pudico.
N. E. – Resposta alterada em 04/10/2023.