Esta é uma dúvida que qualquer falante não nativo do português tem dificuldade em ultrapassar, porquanto a fronteira entre os verbos ser e estar não é tão delineada quanto parece, e, apesar de termos tendência a generalizar regras para o uso destes dois verbos, a verdade é que aparece sempre um exemplo que desconstrói todo o percurso argumentativo. Por exemplo, generaliza-se, como o consulente refere, que o verbo ser é usado para demarcar algo «que não se muda rapidamente», mas dizemos: «Ele está morto», e não *«Ele é morto», etc., o que parece contrariar a generalização.
O consulente pergunta também se o emprego de um ou de outro verbo — no caso de casado, a possibilidade dos dois — tem que ver com o facto de o adjectivo ser formado por um particípio passado. A resposta é sim e não1: sim, se considerarmos a frase uma passiva adjectival (onde podem ser empregados os verbos estar, ficar ou continuar) que focaliza o estado resultante da transição sofrida, e não, se estivermos perante uma frase copulativa tradicional, onde o que condiciona o emprego de ser ou estar são as propriedades semânticas do adjectivo que predica o sujeito (nestas construções, tipicamente denominado por nome predicativo do sujeito). Por exemplo, um adjectivo simples como feliz admitiria também ambas as construções «sou/estou feliz».
Na literatura, considera-se dois traços semânticos, [+/-transitório] e [+/-permanente], que parecem explicar o emprego destes dois verbos tão problemáticos para quem aprende português como língua estrangeira. Na resposta O uso dos verbos ser e estar pode ler uma descrição mais detalhada destes dois traços e encontrá-los associados a vários exemplos.
O que parece acontecer com o adjectivo casado (e com tantos outros) é que pode igualmente denotar uma transição e um estado permanente, com algumas diferenças, no entanto, quanto ao contexto em que se usam:
1. Eu sou casado (= estado permanente que caracteriza o sujeito).
2. Eu estou casado (= há uma mudança, uma transição de estado).
Por outras palavras, a frase 1 será mais usada num contexto em que duas pessoas se apresentam e indicam o que as caracteriza (tal como «sou português, sou estudante, etc.»). A frase 2 seria de esperar num contexto em que dois falantes já se conhecem, mas que houve uma mudança desde que falaram pela última vez — há um elemento novo/uma transição (entende-se que «agora estou casado»), mas, ao mesmo tempo, pode indicar, por si só, um estado transitório, algo que não é tido como permanente pelo próprio falante (por exemplo: «estou casado, mas não sei por mais quanto tempo»).
Isto prende-se com a última questão do consulente (que parece ter-se enganado, já que não há diferença entre as duas frases coordenadas adversativas). Será que o consulente queria dizer «Eu estou casado, mas a minha mulher é casada»? Se for o caso, é bem provável que se trate de uma brincadeira, e nesse sentido poderemos interpretar a frase da mesma forma que o consulente, já que a primeira frase, contraposta com a segunda, denota uma menor vinculação do sujeito ao adjectivo predicativo «casado». Neste caso, o falante assume o casamento como um fenómeno transitório.
Esperamos ter ajudado.
1 Consulte aqui uma resposta sobre o uso de ser e estar com particípios passados.