Nas construções com o verbo estar não podem ocorrer adjectivos que denotem estados permanentes, nem adjectivos derivados de verbos psicológicos que descrevem estados ou processos sem limite temporal definido (atélicos)1, que também denotem alguma permanência. Vejamos os seguintes exemplos2:
(a) *«Ele está [estava/esteve/estará/estaria] ingénuo [amado/bondoso/cruel/etc.].»
Os adjectivos ingénuo, amado, bondoso e cruel denotam um estado permanente, isto é, não se pode «estar ingénuo há 5 minutos», por exemplo. A propriedade de ser ingénuo não pode ser situada num intervalo de tempo.
Pelo contrário, os mesmos adjectivos são legítimos em construções com o verbo ser:
(b) «Ele é [era/foi/será/seria] ingénuo [amado/bondoso/cruel/etc.].»
Quando falamos de estados permanentes, falamos em propriedades intrínsecas. Por exemplo, um adjectivo como morto não denota um estado permanente, mas antes uma alteração de estado, uma transitoriedade (de vivo para morto), um resultado, logo, emprega-se com o verbo estar:
(c) Ele está morto.
(d) *Ele é morto.
E poderá dizer-se «Ele está morto há 5 minutos».
Repare-se agora numa propriedade intrínseca/permanente:
(e) O carvão é/*está negro.
(f) A Rússia é/*está grande.
Ser negro é uma propriedade do carvão, e ser grande é uma característica da Rússia, tal como ser ingénuo pode ser uma característica de alguém — e não um estado.
Já os seguintes exemplos denotam um estado, uma transitoriedade, e não uma propriedade característica:
(g) O céu está negro, vai chover.
(h) A Mariana está grande, nem parece a mesma.
O traço semântico do verbo estar é, desde a sua origem, [+transitório], enquanto o do ser é [+permanente]. Essa variedade de acepção implica uma distribuição diferente dos dois verbos.
Como explicado pela consulente, quando expressões temporais como às vezes, hoje, ontem, etc. aparecem associadas a um adjectivo, parece que a tendência é para usar o verbo estar, contudo, nem sempre, pois as propriedades do adjectivo (predicativo do sujeito) determinam maioritariamente a selecção do verbo de ligação:
(i) «Às vezes ele é/*está [amado/bondoso/cruel/etc.].»
(j) «Ontem ele foi/*esteve [amado/bondoso/cruel/etc.].»
Contudo, quando o adjectivo não denota nenhuma das propriedades semânticas permanente/transitória, é a expressão temporal que determina o verbo seleccionado:
(k) Às vezes ele está feliz.
(l) ?Às vezes ele é feliz.
Quando nenhum elemento temporal ou adjectival restringe a selecção do verbo, pode-se empregar ser ou estar, embora com diferentes acepções:
(m) Ele está feliz.
(n) Ele é feliz.
Conclui-se que o adjectivo ingénuo denota um estado [+permanente], logo ocorre invariavelmente com verbos com traço [+permanente], como ser. O verbo estar é [+transitório], desta forma, não pode ocorrer com ingénuo.
1 Em linguística, usa-se o termo atélico « [...] na análise gramatical do aspecto para referir uma situação que não tem um limite temporal bem definido. Em vários casos podem chamar-se atélicos verbos que descrevem situações atélicas. Os verbos olhar e cantar são exemplos de verbos atélicos, por oposição aos verbos télicos, como, por exemplo, os verbos cair e sentar, que expressam acções com um limite temporal definido. No entanto, embora "o João está a cantar" descreva uma situação atélica, "o João está a cantar uma canção" descreve uma situação télica» (Dicionário de Termos Linguísticos, 2 vols., Lisboa, Edições Cosmos, 1992, disponível nas páginas da Associação de Informação Terminológica, http://www.ait.pt).
2 Os exemplos agramaticais são marcados com asterisco; os de aceitabilidade duvidosa, com ponto de interrogação.
3 Note-se que há verbos que se empregam ora como copulativos, ora como significativos, dependendo do contexto. Um desses verbos é andar.