DÚVIDAS

Os verbos ser e estar

Estou a fazer um estudo comparado para uma disciplina de linguística sobre os verbos ser e estar em português e o verbo be inglês, tentando salientar as semelhanças e diferenças das línguas, nomeadamente através da ausência da forma verbal estar em inglês. Era interessante conhecer a origem etimológica destes verbos no português, a sua permanência até hoje, e, no fundo, a sua razão de ser. Por que razão o português não pode dispensar da forma verbal estar?

Resposta

A razão histórica para o contraste entre os dois verbos é que o verbo estar tem como étimo latino stare, «estar de pé», documentado em português, nessa acepção, até fins do século XIV, enquanto o verbo ser tem uma história complexa de convergência entre os verbos latinos sedere, «estar sentado», nessa acepção, até fins do século XIV — e esse, «ser». Esse facto permite inferir que o traço [+transitório] é, desde a sua origem, o traço de estar, enquanto em ser confluem o [+transitório] de sedere e o [+permanente] de esse.

Ambos, ser e estar, são verbos copulativos, também chamados predicativos. Numa construção predicativa podem ocorrer à direita do verbo, com a relação gramatical de predicativo do sujeito, expressões pertencentes a uma grande variedade de categorias sintácticas; o verbo copulativo é o elemento que liga essas categorias ao sujeito:

(i) «O João é médico.»
(ii) «A Maria está linda.»

Nestas construções, o predicativo do sujeito pode também ser uma forma de particípio passado de um dado verbo:

(iii) «A loja foi inaugurada hoje.»
(iv) «Esse artigo está traduzido em italiano.»

As formas de particípio com a relação gramatical de predicativo de sujeito limitam-se a verbos transitivos ou inacusativos:

(v) *«A criança está/foi sorrida.»

A escolha do verbo predicativo é condicionada pelo tipo de propriedade expresso pelo predicativo do sujeito:

(vi) «A Joana é portuguesa
(vi) *«A Joana está portuguesa.»

(vii) «A Joana está na faculdade
(viii) *«A Joana é na faculdade

Além disso, tem de existir compatibilidade semântica entre o sujeito e o predicativo do sujeito:
(ix) «A Joana é ruiva.»
(x) *«A casa é ruiva.»

Resumindo, as propriedades acima exemplificadas demonstram que a predicação se dá directamente entre o nome predicativo do sujeito e o sujeito, sendo que o verbo copulativo parece não ter as propriedades típicas de um predicador verbal. Tais propriedades levaram os gramáticos a considerar os verbos copulativos meros elementos de ligação, “verbos-suporte”, que marcam apenas valores temporais, modais e aspectuais. No caso do português, como afirmámos acima, os verbos ser e estar, apesar de elementos de ligação, têm propriedades semânticas diferentes, nomeadamente, no que diz respeito aos traços [+transitório] e [+permanente], conferidos historicamente. Mas há línguas, como o inglês, em que não se dá essa distinção, e que apresentam apenas um verbo, cujos traços semânticos são atribuídos pelo contexto externo. Outras línguas há, como é o caso do russo, que, em construções predicativas no presente, omitem o verbo copulativo, apresentando frases como «Maria bonita», perfeitamente gramaticais. Em português, quando existe um outro verbo que marque valores temporais, modais e/ou aspectuais, o verbo copulativo também pode ser omitido, gerando as chamadas «orações pequenas»:

(xi) «Eu considero (que) a Maria (é) bonita.»
(xii) «Eu considero a Maria bonita.» 

 

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