O caso apresentado não é fácil de classificar, porque tem um comportamento por vezes ambíguo. À luz da nova Terminologia Linguística (TLEBS), a expressão de casa pressupõe um ou mais nomes com os quais se relaciona em muitos contextos, à semelhança de outras expressões que resultam de certo tipo de relações (por exemplo, parte-todo), em que nomes que se relacionam previsivelmente com outros, como nos seguintes exemplos:
(1) um artista de circo
(2) o porteiro do hotel
(3) a perna da mesa
Em (1) temos circo que se relaciona com artista, e em (2), hotel que se relaciona com porteiro.
Normalmente com palavras derivadas é mais fácil identificar os seus complementos, sobretudo com nominalizações que conservam elementos da sintaxe do verbo de que derivam, isto é, têm estrutura argumental. Por exemplo, em «a oferta do João» temos o constituinte «o João», que corresponde ao sujeito «o João» em «o João ofereceu qualquer coisa».
No caso de porta de casa temos uma relação de parte-todo. O que Maria Helena Mira Mateus et alii (Gramática da Língua Portuguesa, 2003, págs. 341-342) fazem é considerar que palavras como artista, porteiro e perna são nomes relacionais e têm paralelo com os nomes que têm estrutura argumental. Um dos testes que Mateus et alii (2003: 341) definem é o de a expressão preposicional não poder ser separada do núcleo (o nome) do grupo nominal a que pertence, como em (4):
(4) *a porta estava aberta de casa
Outro teste consiste numa deslocação que envolva quantificadores, demonstrativos ou cardinais (Mateus et alii 2003: 342):
(5) a. Abri todas as / cinco/ estas portas de casa
b. Portas de casa, abri todas/cinco/estas
c. *Todas as/ cinco/ estas portas abri de casa.
É, pois, possível dizer que, na expressão porta de casa, de casa é complemento do nome.
Além disso, pode-se distinguir um modificador de nome de um complemento de nome através de algumas propriedades (baseio-me no guião distribuído na acção de formação Inovação e Tradição no Ensino do Português: a Terminologia Linguística para os Ensinos Básico e Secundário, realizada em Outubro e Novembro de 2005 na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa):
a) a comparação com as propriedades léxico-sintácticas de expressões relacionáveis
(p. ex., «um estudante de linguística»/«O Pedro estuda linguística», mas «um estudante de cabelo comprido»/*«O Pedro estuda cabelo comprido»).
b) A coordenação só possível entre complementos ou entre modificadores (p. ex., «um estudante de linguística e de literatura», mas *«um estudante de linguística e de cabelo comprido»).
c) Os modificadores podem ocorrer em cascata, ao contrário dos complementos
(p. ex., «um estudante que vive em Évora de cabelo comprido», mas *«um estudante de linguística de literatura».
d) Os complementos só mostram compatibilidade com os nomes que os seleccionam
(p. ex., «um estudante de linguística», mas *«uma criança de linguística»).
e) Os complementos precedem os modificadores se forem da mesma categoria sintáctica (p. ex., «um estudante de linguística de cabelo comprido», mas *«um estudante de cabelo comprido de linguística»).
Verifiquemos estas propriedades em «de casa»:
(1) a. A porta de casa (= a casa tem porta)
b. A porta verde (mas «*A porta tem verde»)
(2) a. A porta de casa e da rua
b.* A porta de casa e verde
(3) a. A porta de casa da rua
b.* A porta verde de madeira
(4) a. *O volante de casa
b. a porta/o volante verde
(5) a. uma porta de casa de madeira
b. *uma porta de madeira de casa.
Vemos, portanto, que, nos exemplos (1) a (5), de casa tem o comportamento de um complemento de nome. Em (1), de casa permite a relação com a frase «a casa em porta»; em (2), revela incompatibilidade com um adjectivo qualificativo, mas pode ficar coordenado ao complemento preposicional «da rua»; em (3)a., não aceita a construção “em cascata”; em (4)a., volante não selecciona de casa; e, em (5)a., de casa pode preceder de madeira, modificador preposicional, mas não pode ser precedido por este em (5)b.