O facto de nem sempre se assinalar a conjunção porque como introdutora de orações coordenadas explicativas parece ter lugar sobretudo em contexto escolar não universitário e estará relacionado com a procura de uma simplificação dos fenómenos gramaticais, de forma a auxiliar o estudo do aluno.
Na verdade, as orações coordenadas explicativas podem ser introduzidas pelas conjunções pois, porque, que e porquanto. Não obstante, a conjunção pois é frequentemente assinalada como prototípica, dado ter a capacidade de aparecer em inúmeras possibilidades de coordenação explicativa. Por seu turno, a conjunção porque (e também a conjunção que) apresenta, em algumas coordenadas explicativas, um comportamento menos claro, que a pode situar, do ponto de vista sintático, entre a subordinação e a coordenação. A título de exemplo, a orações explicativas introduzidas por porque (e por que) não admitem anteposição, o que acontece também com as orações introduzidas por pois:
(1) «Levanta-te, pois vai chover!» vs. «*Pois vai chover, levanta-te!»
(2) «Levanta-te, porque vai chover!» vs. «*Porque vai chover, levanta-te!»
Não obstante, ao contrário do que acontece com as orações introduzidas por pois, as orações explicativas introduzidas por porque admitem a colocação do pronome em posição pré-verbal:
(3) «Ele vai ter boas notas, pois emprestei-lhe os meus apontamentos.» vs. «*Ele vai ter boas notas, pois lhe emprestei os meus apontamentos.»
(4) «Ele vai ter boas notas, porque emprestei-lhe os meus apontamentos.» vs. «Ele vai ter boas notas, porque lhe emprestei os meus apontamentos.»
Estes são, todavia, domínios de análise que se afiguram complexos para o ensino de gramática no plano não universitário, pelo que não estão previstos nos programas de português.
A questão relacionada com a interpretação de causais e explicativas, que a consulente refere, pode, com efeito, assumir uma relevância central no ensino das coordenadas explicativas / subordinadas causais. Esta realidade remete para o plano semântico-discursivo e convoca a distinção entre causal real e causa de dicto. Assim, as orações subordinadas causais apresentam uma causa real (ou inferida) para a situação descrita na oração subordinante:
(5) «O João tem fome porque não tomou o pequeno-almoço.»
Em (5), o facto de não ter tomado o pequeno-almoço é apresentado como causa para a fome do João. Acrescente-se ainda que quando a relação entre as orações é de causa efetiva, a situação descrita na oração causal é, do ponto de vista temporal, anterior à situação descrita na oração subordinante.
Em (6), a situação é diferente, uma vez que a oração introduzida por pois não é interpretada como a causa direta da situação descrita como «João chegar do México»:
(6) «O João deve ter chegado do México, pois há luz em sua casa.»
A oração introduzida por pois apresenta, antes, uma explicação para o facto de se ter produzido a afirmação «O João deve ter chegado do México». A oração coordenada apresenta o facto que levou o locutor a concluir que a afirmação inicial é aceitável / possível e funciona como uma explicação ou uma justificação para o enunciado inicial. Esta relação de justificação do que é dito fica muito clara quando a coordenada explicativa justifica, por exemplo, uma ordem ou um conselho, como acontece em (7):
(7) «Senta-te, pois quero falar contigo!»
Perante estes elementos, fica claro que a interpretação correta das relações causais ou explicativas pode ser um fator importante na interpretação textual, tal como afirma a consulente1.
Por fim, acrescento que o Ciberdúvidas partilha consigo a consciência da importância do cuidado que se deve ter com a língua para que esta mantenha a sua identidade. Permita-me que conclua citando as palavras de João Carreira Bom (um dos fundadores do Ciberdúvidas, já falecido): «A língua é como um rio: sem margens, desaparece.»
Disponha sempre!
*Assinala a agramaticalidade da frase.
1. Para um maior aprofundamento da relação entre causais e explicativas, sugere-se a leitura de Raposo et al., Gramática do Português. Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 1814-1816 e 2006-2011.