Na verdade, não poderemos afirmar que nos casos apresentados os verbos estão conjugados erradamente. Para compreendermos o uso do imperfeito do indicativo, teremos de analisar os valores que este traduz: temporais ou modais.
As frases em análise incluem verbos conjugados no pretérito imperfeito do modo indicativo. Este tempo tem um valor semântico de passado, o que lhe permite localizar as situações num intervalo temporal anterior ao momento da enunciação.
Não obstante, pode ser também usado com um valor unicamente modal associado a diferentes intenções. Este uso observa-se com frequência na interação oral, pois o uso do imperfeito do indicativo permite atenuar o valor menos cortês associado ao presente do indicativo ou ao imperativo. Comparem-se as seguintes frases:
(1) «Quero um café.»
(2) «Traz-me um café.»
(3) «Queria um café.»
O cotejo entre as três frases coloca em evidência a capacidade modal que o imperfeito tem de atenuar o valor de ordem direta (mais ameaçador para o interlocutor), convertendo-o num pedido polido (menos ameaçador para o interlocutor), associado a uma intenção pragmática de delicadeza.
Outra possibilidade de uso com valor modal do imperfeito do indicativo está presente na segunda frase apresentada pelo consulente, aqui transcrita como (4):
(4) «Eu não sabia que você tinha toda essa habilidade.»
De novo, o imperfeito não é usado com valor temporal, pois não tem a função de localizar uma situação no passado. É antes usado para expressar que o locutor não tinha uma expectativa positiva relativamente a determinada habilidade do interlocutor1.
Um valor semelhante está presente na frase (5):
(5) «O João tinha o número de telefone do Pedro.»
O imperfeito não identifica uma situação que já não se verifica no presente, antes veicula a expectativa positiva do locutor relativamente ao facto de o João ter o número de telefone do Pedro.
Disponha sempre!
1. Para maior aprofundamento dos valores associados ao imperfeito do indicativo, cf. Oliveira, F. in Raposo et al., Gramática do Português. Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 518-524