Agradece-se ao consulente a extensa exposição sobre o uso do nome comercial X-Acto em Portugal. Pode concordar-se com ela em muitos pontos, sobretudo quanto aos que permitem ajuizar que x-ato não será a melhor grafia para a palavra em questão. Observe-se, porém, que é possível e até legítimo escrever xisato (ou xis-ato) apenas atendendo à fonética popularizada entre falantes de Portugal. Trata-se, é certo, de uma forma popular, que se confinará ao registo informal, se outro termo não houver para nomear a ferramenta em apreço.
Este caso encontra algum paralelo noutro exemplo, o de peclise – um aportuguesamento fonético e nada criterioso da expressão francesa pied à coulisse –, que, embora registado em alguns dicionários, tem associada à respetiva entrada a indicação de uso que a relega para o registo informal. Assim, pode achar-se (ou acha-se mesmo) que paquímetro constituirá o termo mais adequado, como termo técnico de formação erudita, em princípio, de consagração normativa menos discutível, e, talvez por isso, sem o estigma de iliteracia que rodeia a génese de peclise. Com x-ato, acontece, no entanto, pelo menos, em Portugal, que a alternativa lexical existente, constituída pelas palavras estilete e bisturi, não parece ter uso tão extenso ou tão saliente, situação indicativa de que, no fim de contas, o caso de peclise não trará grande ajuda.
Por outro lado, a grafia x-ato, como atualização de x-acto no quadro da norma ortográfica em vigor, não parece corresponder a um caso em que se aplique tal alteração, porque a anteriormente usada na escrita do português – como se referiu, x-acto – exibe um jogo gráfico e um hífen que só em inglês se justificarão. Se o pretendido era fixar o aportuguesamento do nome comercial, porque não, por exemplo, grafar "xisato", mais fiel à leitura à portuguesa do nome inglês e, ao mesmo tempo alusivo à interpretação dos elementos originais (xis + ato ou acto)1?
Quanto à adaptação proposta pelo consulente – "acto x" ou "ato x" –, embora possa fazer sentido, dir-se-ia que ela não se furta ao juízo negativo que recai sobre x-ato. É que, se x-ato é forma errónea (como declara o consulente), decorrente da interpretação literal, fonética, "à portuguesa", então, torna-se difícil aceitar que se argumente com a sintaxe portuguesa, em que o atributo se segue ao nome, para identificar "ato x" como alternativa mais adequada, porque essa transposição não deixaria de pressupor uma reanálise igualmente à portuguesa, portanto, deturpadora do nome inglês X-Acto e do jogo formal e semântico associado.
Seguem-se comentários às considerações do consulente:
1. «Na sequência fonética x-acto [ɛks-æktou] a articulação do xis é insuprível pelo seu próprio nome, na medida em que o xis aqui não é uma figuração ou adjectivo de incógnita ou unidade desconhecida [...]»
Do ponto de vista meramente descritivo – portanto, não normativo –, compreende-se que, no contexto da história recente do português de Portugal, o nome comercial X-Acto tenha começado a ser lido de acordo com os princípios gerais de correspondência entre ortografia e fonia. É plausível que, no começo da história da comercialização e circulação do objeto em apreço, os portugueses que lessem o respetivo nome não considerassem uma eventual relação com o adjetivo exacto (na ortografia de 1945 ou mesmo anterior) ou exato (na ortografia de 1990), grafias que têm tradicionalmente a pronúncia [iˈzatu] – cf. transcrições fonéticas do dicionário da Academia das Ciências de Lisboa, do dicionário de língua portuguesa da Porto Editora e do Vocabulário Ortográfico do Português.
2. «[...] uma corruptela criada de propósito [...]»
Trata-se efetivamente de um jogo gráfico com base na reanálise e truncação2 de exacto, num processo que é muito comum na linguagem publicitária.
3. «A forma Acto X é a única adaptação regular aos padrões da língua em processo igual ao processo que trouxe ao português a locução raios x (lido xis) adaptada do inglês x-rays [eksreiz] ou mesmo directo do alemão X-Strahlen [...]»
É uma afirmação discutível, porque estamos no domínio da linguagem comercial e das suas marcas, as quais têm dado origem a vários nomes comuns epónimos. Exemplo típico, mencionado pelo consulente, é o de gilete, «lâmina descartável de barbear», resultado da conversão ou da extensão de significado do nome próprio Gillette.
4. «Como se vê a derivação imprópria da marca X-ACTO® nada tem a ver com outros casos de palavras que sofreram algum processo de aportuguesamento em maioria verificados na variante brasileira da língua, exemplicados pelos seguintes casos: chiclete, fórmica, gilete, jipe, lambreta, licra, óscar, pírex, polaróide, rímel, tartã ou vitrola.»
X-ato tem que ver com as outras palavras mencionadas pelo consulente, porque, como elas, é uma sequência lida exatamente na sua linearidade,
5- «a maioria das pessoas que usam corruptelas da marca X-ACTO® nunca viu antes a marca X-ACTO® escrita alguma vez»
Não é necessário ler X-ACTO para pronunciar "xis-ato". Basta que alguns falantes tenham tido contacto com a forma gráfica e a tenham interpretado literalmente, aplicando as convenções que regem a relação fonia-grafia em português. Muitos falantes poderão ter depois contactado com a nova palavra no contexto da oralidade, portanto, num processo de difusão lexical, não forçosamente acompanhado da forma escrita.
Muito agradecendo ao consulente o reconhecimento da importância da atividade do Ciberdúvidas, resta acrescentar que não será ainda aqui que se encontrará uma resposta satisfatória para o enquadramento normativo deste caso que é bem ilustrativo do choque entre diferentes padrões de formação de palavras, envolvendo distintos idiomas.
1 Sugiro que se escreva uma única palavra gráfica com s, em alusão ao nome da letra x. Poderá também propor-se xis-ato, com hífen, aceitando que se trata de um composto formado pelo nome da letra x e pelo nome comum ato (ou acto na ortografia de 1945). Cf. Cláudia Pinto "Xis-Acto/xis-acto", Dúvidas linguísticas/Flip, 13/08/2019 e Hélder Guégués, "Exacto", Linguagista, 15/06/2013.
2 Sobre truncação, ver Graça Rio-Torto et alii, Gramática Derivacional do Português, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2.ª edição, 2016, p. 484.