A integração de quanto entre as palavras relativas nem sempre foi consensual entre os gramáticos, não obstante, as modernas gramáticas de língua portuguesa consideram a palavra como pertencente às relativas (cf. Bechara, Moderna gramática portuguesa. Nova Fronteira, p. 144; Mira Mateus et al., Gramática da Língua Portuguesa. Caminho, p. 664; Raposo et. al., Gramática do Português, p. 2099). Também Cunha e Cintra a incluem entre as palavras relativas (cf. Nova Gramática do Português Contemporâneo. Ed. João Sá da Costa, p. 342). Estranhamos, todavia, a não inclusão nesta última gramática da forma do relativo no feminino singular, quanta, sem qualquer justificação que permita compreender a opção dos autores.
Quanto, ao integrar uma oração relativa, pode funcionar como pronome relativo ou como especificador relativo1. Nas situações em que funciona como um pronome relativo, quanto é invariável, podendo ter ou não um antecedente explícito:
(1) «Ele comprou tudo quanto viu.» (com antecedente)
(2) «Ele comeu quanto quis.» (sem antecedente)
Neste caso, o antecedente de quanto será sempre o pronome indefinido tudo.
Nas situações em que quanto funciona como especificador, varia em género e número, podendo ter igualmente antecedente explícito ou implícito:
(3) «Ele comeu os chocolates tantos quantos pôde. / Ele comeu tantos chocolates quantos pôde.»
(4) «Ele comeu quantos chocolates pôde.»
Na frase (3), quantos é especificador porque se considera que o nome que ele determina está implícito, correspondendo a uma frase como (5):
(5) «Ele comeu os chocolates tantos quantos [chocolates] pôde. / Ele comeu tantos chocolates quantos [chocolates] pôde.»
Quando o relativo quanto funciona como especificador, o seu antecedente expressa quantificação e poderá corresponder a todo ou tanto (e suas variantes morfológicas). Sendo especificador, quanto concorda em género e número com o nome que especifica, ainda que este esteja implícito (como acontece em (5)).
Considerando este funcionamento da palavra relativa quanto, concluímos que, nas frases apresentadas pelo consulente, apenas a frase (6) está correta, pois o relativo deve concordar em género e número com o nome que implicitamente especifica (água):
(6) «Daquela água, ele bebeu toda quanta pôde.»
(7) «*Daquela água, ele bebeu toda quanto pôde.»
Em termos sintáticos, verificamos que a utilização da palavra relativa quanto tem algumas limitações, que se observam em (8) e (9):
(8) «*Ele comeu chocolates quantos chocolates pôde.»
(9) «*Ele comeu tantos quantos chocolates pôde.»
A agramaticalidade nestas frases ilustra as seguintes limitações:
(i) O nome especificado só pode surgir uma vez na frase2 (o problema em (8) reside no facto de se repetir o nome chocolates)
(ii) quando o termo especificado está explícito na oração relativa, o antecedente2 (todo, tanto) terá de estar implícito (na frase (9), todo e chocolates não podem surgir simultaneamente).
Pelas razões expostas, em particular pela razão (ii), a frase (10) é incorreta:
(10) «*Ele conseguiu tirar do motor toda quanta água nele tinha entrado.»
A gramaticalidade da frase apresentada em (10) poderia ser restabelecida em frases como (11) ou (12):
(11) «Ele conseguiu tirar do motor toda a água quanta nele tinha entrado.»
(12) «Ele conseguiu tirar do motor quanta água nele tinha entrado.»
*sinaliza uma frase agramatical.
1. Em contexto escolar, quanto deverá ser classificado como quantificador relativo, em todas as situações de uso, de acordo com o previsto no Dicionário Terminológico. Note-se, por outro lado, que a Gramática do Português considera quanto um pronome relativo e um especificador. (cf. Raposo et al., Ob. cit. Fundação Calouste Gulbenkian, p. 2099).
2. Para maior aprofundamento deste assunto, cf. Raposo et al., ob. cit. Fundação Calouste Gulbenkian, p. 2099-2101.