Antes de mais, é importante referir que a coordenação de dois pronomes autonegativos (isto é, que expressam sentidos negativos) por meio da conjunção coordenativa copulativa e é uma opção menos frequente entre os falantes. Uma pesquisa no Corpus do Português, de Mark Davies assinala um número inferior a cinquenta ocorrências, divididas entre o português do Brasil e a variante europeia.
A opção dominante parece ser a coordenação dos pronomes nada e ninguém por meio da conjunção coordenativa nem. Neste caso, a preferência dos falantes, relativamente à concordância do verbo com o sujeito, é o singular:
(1) «Nada nem ninguém escapa.»
Embora não tenha encontrado uma reflexão específica sobre a concordância verbal com estes dois pronomes em situação de coordenação, julgo que a opção de concordância no singular se poderá ficar a dever ao facto de o sujeito corresponder apenas a um sintagma nominal, ou seja um sujeito simples, ocorrendo uma coordenação dentro deste, o que determina a concordância no singular, à semelhança do que acontece no exemplo (2):
(2) «[O [dono] e [diretor] desta escola] é uma pessoa muito influente.»1
A esta interpretação podemos associar as palavras de Bechara que afirma quando os substantivos coordenados formam uma noção única, o verbo flexiona no singular1. Este fenómeno pode ainda ser visto como um caso de concordância atrativa, no qual o verbo concorda com o nome mais próximo.
Não obstante, o que ficou dito e que parece corresponder à opção dominante em língua portuguesa para a coordenação dos pronomes nada e ninguém, no Corpus do português encontramos (com uma frequência baixa) situações nas quais o verbo flexiona no plural, como acontece em (3) e (4):
(3) «E essa é a principal ilação da semana em que o mundo ficou a conhecer na primeira pessoa anos e anos a fio de crimes sexuais sem que nada nem ninguém tivessem feito algo para o evitar. (Jornal Observador)
(4) «À “BBC News”, Tracy Cox garante que Anaya não deixa que nada nem ninguém a impeçam de fazer aquilo que tenha decidido […]» (Jornal Expresso)
Neste caso, julgamos que os falantes interpretam o sujeito como sendo constituído por dois sintagmas independentes, sendo um sujeito composto, que se coordenam entre si, o que permite aceitar que na frase apresentada pela consulente o verbo possa surgir no plural:
(5) «Nada nem ninguém escapam.»
Neste caso, não estamos perante um sintagma que expressa uma noção única, como acontece em (1), mas perante a adição de duas noções independentes: a negação de um conjunto de pessoas (expressa por ninguém) e a negação de um conjunto de coisas (expressa por nada).
Refira-se, por fim, que no mesmo Corpus do português, quando a opção de coordenação dos pronomes em causa é a conjunção e, é igualmente possível identificar casos de concordância verbal no plural (como em (6)) e de concordância no singular (como em (7)):
(6) «Nada e ninguém estavam a salvo da sua revisão crítica.» (Adonias Aguiar, Corpo Vivo)
(7) «[…] como se de repente tomasse consciência de que nada e ninguém a sustentava […]» (Hélia Correia, Insânia)
Nestes casos, julgamos que a opção pela concordância no singular ou no plural tem uma justificação idêntica à apresentada para a coordenação com a conjunção nem.
Disponha sempre!
1. cf. Moderna Gramática Portuguesa. Nova Fronteira, p. 450
2. Exemplo apresentado em Raposo et al., Gramática do Português. Fundação Calouste Gulbenkian, p. 1772.