A negação pode ser introduzida pelos operadores de negação não, nem, sem. Pode também ser introduzida pelas chamadas palavras autonegativas, como nunca e jamais, que são advérbios de tempo e que, ao integrarem a frase, negam um dado intervalo de tempo ou um conjunto de intervalos de tempo1:
(1) «Ele nunca leu este livro.» (= em nenhum intervalo de tempo)
(2) «Ele jamais lerá este livro.» (= em nenhum intervalo de tempo)
Em português, existe a possibilidade de concordância negativa, também designada dupla negação, que se caracteriza pela ocorrência de dois constituintes negativos na mesma frase que, todavia, não se anulam, como acontece em (3):
(3) «Eu não encontrei ninguém.»
A concordância negativa está marcada pela dependência que ninguém tem relativamente a não, a qual fica clara na agramaticalidade gerada pela ausência deste último constituinte em (4). Desta forma, fica claro que a concordância negativa implica a colocação de um constituinte negativo em posição pós-verbal e de um constituinte negativo em posição pré-verbal:
(4) «*Eu encontrei ninguém.» (vs. «Eu não encontrei ninguém.»)
Os elementos que entram em concordância negativa são constituintes de negação existencial, como ninguém, nada, nunca:
(5) «Eu não encontrei ninguém.»
(6) «Eu não encontrei nada.»
(7) «Eu não lhe telefonei nunca.»
No âmbito desta questão gramatical e do ponto de vista normativo, a concordância negativa implica a presença de dois constituintes negativos na frase, como se observa em (5), (6) e (7). Por esta razão, a construção introduzida pelo operador nem na frase apresentada pelo consulente terá preferencialmente um segundo membro negativo:
(8) «Nem a Maria fez nada...»
Não obstante, em certos casos de concordância negativa, como afirma João Peres, «a variação entre uma expressão negativa como ninguém e a correspondente expressão positiva alguém é inteiramente livre» (in Raposo et al., Gramática do Português. Fundação Calouste Gulbenkian, p. 490). Assim sendo, as frases aqui numeradas como (9) e (10) são ambas aceitáveis.
(9) «Eu nunca amei alguém.»
(10) «Eu nunca amei ninguém.»
Não obstante, julgo que com o operador jamais apenas a frase (11) é aceitável:
(11) «Eu jamais amarei alguém.»
Não encontrei uma descrição sintático-semântica relativa ao comportamento deste advérbio quando introduz construções negativas, mas, se observarmos uma amostra retirada do corpus CRPC, verificamos que as construções com jamais surgem com o pronome positivo (alguém) e não com o negativo (ninguém).
Disponha sempre!
*assinala a agramaticalidade da frase.
1. Para uma reflexão mais aprofundada sobre a negação, cf. . Cf. Raposo et al., Gramática do Português. Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 461-498.
Cf. «Não há nada» é erro de português?