Não parece haver outra explicação que não seja a de se ter definido essa regra por se tratar de uma sequência gráfica especial, que não se comporta como as representações de nasalidade vocálica em inicial ou medial: âmbar, intercâmbio, ânfora, ignorância, êmbolo, ênfase, idêntico, ôntico, Estômbar, recôndito,
No Dicionário Houaiss, assinala-se que, entre os dígrafos, «[se incluem] tb. am, an, em, en, im, in, on, om, um, un (que representam vogais nasais).» Trata-se, no entanto, de uma afirmação que só terá em mente os grafemas usados em posição não final na escrita contemporânea.
Não obstante, é preciso referir que, no contexto da reforma ortográfica 1911, a norma determinava que tais substantivos agudos se escrevessem com acento circunflexo. Registam-se, portanto, grafias, como alêm, armazêm e porêm no Vocabulário Ortográfico e Remissivo da Língua Portuguesa (1913), de A. R. Gonçalves Viana. Aliás, as Bases da Reforma de 1911 previam isto mesmo: «O ditongo em, quando predominante [= tónico] em polissílabos, receberá o acento circunflexo, como em armazêm, armazêns, porêm, a par de margem, porem, cuja escrita indicará a acentuação márgem, pôrem, mesmo sem ser marcada.»1
Mais tarde, com a aplicação do Acordo Ortográfico de 1945 em Portugal e a adoção do Formulário Ortográfico de 1943 no Brasil, a possibilidade de escrever -êm final só se conserva nos seguintes casos:
– na flexão verbal, na 3.ª pessoa do plural do presente do indicativo dos verbos ter e vir – têm e vêm, respetivamente –, que assim se distinguem das formas correspondentes da 3.ª pessoa do singular – tem, vem;
– e nos respetivos verbos derivados (p. ex., obter, intervir), como maneira de contrastar as formas de 3.ª pessoa do singular e do plural nos referidos tempo e modo: obtém vs. obtêm; intervém vs. intervêm.
Este contraste gráfico não foi alterado pelo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 19902.
Quanto à razão de marcar o acento agudo sobre o ditongo -em em palavras agudas (oxítonas) de outras classes de palavras, não se encontrou explicação clara nas fontes consultadas para elaboração desta resposta.
Não é, portanto, verdade que se dispensa completamente o acento agudo nos derivados dos verbo ter e vir na 3.ª pessoa do plural. Basta consultar qualquer dicionário de verbos ou um vocabulário que apresente quadros da flexão verbal (por exemplo, o Vocabulário Ortográfico Comum da Língua Portuguesa), para observar que as formas de 3.ª pessoa do singular do presente do indicativo, por exemplo, dos verbos obter e intervir têm acento agudo: «ela obtém», «ele intervém». O acento circunflexo figura nas formas da 3.ª pessoa do plural dos referidos tempo e modo: «elas obtêm», «eles intervêm».
1 Bases da Reforma de 1911 in Castro et al., A Demanda da Ortografia Portuguesa, Lisboa, Edições João Sá da Costa, 1987, p. 159.
2 Não se enquadra nesta discussão a supressão do acento circunflexo nas formas da 3.ª pessoa do plural do presente do indicativo dos verbos crer, ler e ver, bem como a 3.ª pessoa do plural do presente do conjuntivo do verbo dar, de acordo com o disposto no n.º 7 da Base IX do AO 1990 : creem (antes, crêem), leem (antes, lêem), veem (antes, vêem), deem (antes, dêem). O mesmo se aplica a derivados dos verbos mencionados: descreem (descrer), tresleem (tresler), reveem (rever), redeem (redar, verbo pouco usado; cf. Dicionário Houaiss).