Agradecendo as palavras iniciais do consulente, observe-se que falar da etimologia de uma frase feita ou de uma expressão idiomática é geralmente uma tarefa que raramente chega a identificar os seus criadores e as suas circunstâncias, até porque tais formas surgem e difundem-se anonimamente, em processos sociais de transmissão linguística. É o caso de «vem bem a calhar», que, além de ter numerosas variantes, decorre mais das virtualidades de uso que a semântica do verbo calhar encerra do que da criatividade arbitrária de um falante concreto.
Diga-se, então, que este verbo significa literalmente «entrar na calha», entendendo-se por calha o mesmo que sulco, cano, rego ou vala. Ao interpretar a expressão em apreço, deverá ter-se em conta que tudo o que "calha" é encaminhado por uma calha, que traça um rumo, uma direção. Esta imagem presta-se a ser também uma metáfora da oportunidade com que algo acontece ou alguém aparece, muitas vezes trazendo ("encaminhando") algum benefício. Daí os usos de calhar nas aceções de «caber em sorte» e «convir», que são extensões semânticas do referido significado literal. Assim se explicam igualmente expressões como «vem bem a calhar», «vem a calhar bem» ou «vem mesmo a calhar», as quais são todas de uso corrente em Portugal*. Refira-se ainda a etimologia de calha, palavra que terá origem numa forma latina não atestada, canālia, um neutro plural de canālis, «cano, tubo, aqueduto, rego de água, fosso; canal, leito, corrente de um rio» (ver Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, e Dicionário Houaiss).
* O consultor Luciano Eduardo de Oliveira informa-me que tais expressões são também usadas e conhecidas no Brasil. Com efeito, uma consulta do Corpus do Português, de Mark Davies e Michael Ferreira, permite detetar sete ocorrências de «a calhar», que, associadas a formas dos verbos vir e estar, têm a mesma interpretação que as expressões aqui em discussão.