A dúvida apresentada diz respeito a uma expressão que o uso fixou e que os dicionários registam.
Terá origem no galicismo tout le reste, pelo menos, como tradução literal convergente com a locução «tudo o mais»: da sinonímia de «o mais» com «o resto» terá resultado «tudo o resto», expressão que é ou foi discutível1, mas que ocorre há bastante tempo no nosso idioma, como abonam exemplos de uso até por escritores portugueses:
(1) «O amor-próprio já eu o tinha perdido há muito tempo. E o orgulho, a vergonha, tudo o resto! » (David Mourão-Ferreira, Tal e Qual o que Era, 1963)
(2) «Venho a parte principal de minha família e bagagens em Londres tudo o resto disperso e sem ordem.» (Almeida Garrett, Cartas, 1835)
São de notar, porém, que, também, entre escritores, ocorre a expressão «todo o resto» como variante de «tudo o resto»:
(3) «O meu Deus enche o mundo. Só o meu Deus existe, e todo o resto no universo é tão pequeno e tão fútil, que reclamo mais dor, mais sofrimento, mais fome.» (Raul Brandão, Húmus, 1917)
Poderá considerar-se que «todo o resto» é mais correto que «tudo o resto», argumentando que resto é um nome e, portanto, o quantificador terá de concordar com a palavra a que se associa. Contudo, apesar de o que se diz sobre «todo o resto» ter sentido à luz de princípios lógicos e do conhecimento do mundo, o certo é que se diz e escreve tudo com expressões de valor neutro, tudo, e não todo: «tudo isto», «tudo o mais».
Deste modo, sobre a génese de «tudo o resto» e a sua fixação, atuaram mais a analogia com outras expressões fixas e a força do uso do que a coerência lógica da expressão, lembrando que, na constituição de uma língua, nem tudo o que se diz ou escreve procede de regras, mas também decorre da cristalização de formas menos ou nada regulares.
Em suma, aceitam-se as duas formas da expressão, «todo o resto» e «tudo o resto». Esta última pode ter menos justificação por critérios sintáticos e lógico-semânticos, mas tem uma tradição de uso que a legitima.
1 O Dicionário Houaiss (s.v. resto) anota que «a locução de resto foi considerada estrangeirismo por alguns autores».